Revista Philomatica

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

DNA de ditador

O ácido desoxirribonucleico (ADN, em português: ácido desoxirribonucleico; ou DNA, em inglês: deoxyribonucleic acid), é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e alguns vírus. Essa estrutura, descoberta conjuntamente pelo estadunidense James Watson e pelo britânico Francis Crick em 7/3/1953, lhes valeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962, juntamente com Maurice Wilkins. A descoberta como se vê, é impar. No entanto, os renomados cientistas foram obtusos: detiveram-se no estudo da genética e seus implicadores - moléculas, vírus, proteínas, etc, para então afirmar o principal papel DNA - armazenar as informações necessárias para a construção das proteínas. Esqueceram-se, porém, de especular se tais moléculas ou proteínas determinam o perfil ideológico, o que, invariavelmente, determinaria não só o universal direito de escolha do indivíduo, como também sua capacidade em aceitar as escolhas do outro. E, como se sabe, negar ao outro seu natural direito de escolha é tolher sua liberdade, é ser um pouco ditador. É uma espécie de síndrome do pequeno poder: eu gosto do vermelho, portanto, todos, sem exceção, devem gostar do vermelho. Caso contrário, merecem ser punidos, banidos, seja lá o que for. Parece óbvio, não é? Mas a síndrome existe e, parece-me, sempre esteve atrelada ao genoma humano, desde seus primórdios. O problema, porém, se complica quando a síndrome, de seus aparentes sinais patológicos, é ampliada e ganha dimensão de metástase. Migra para esferas mais altas e poderosas. Aí, nesse plano dita-se normas, condutas, gostos e tudo o mais.

Fernando Báez, escritor venezuelano (prova de que a Venezuela, felizmente, está muito além de Chaves), escreveu um livro interessantíssimo, que vale a pena ler. Trata-se de História Universal da Destruição dos Livros. Não é preciso dizer mais nada. Saber, por exemplo, que Platão queimou livros é um tiro no pé. Pois é, Platão, na juventude, quando conheceu Sócrates, queimou todos os seus poemas. Mais tarde, fez o mesmo com os tratados do filósofo Demócrito, muito provavelmente para esconder a semelhança de suas ideias com as de seu inimigo.

Báez, traça um percurso aterrador da destruiçào dos livros ao longo da história. O objetivo, claro, sempre foi erradicar a memória e o patrimônio de ideias que as diferentes civilizações depositam nesses objetos aparentemente inofensivos. Ocorre, porém, que uma vez abertos, as palavras ali guardadas ganham vida, ressoam, o que faz deles, os livros, potencialmente perigosos. As razões para a destruição são várias e vão desde o medo, o ódio, a intolerância e a soberda, até a infinita sede de poder.

Como de costume, a história é narrada pelo vencedor. Ao perdedor, nesses casos, a única possibilidade de construir uma narrativa fica por conta de arqueólogos e historiadores - os não oficiais. Nas guerras a preocupação maior, uma vez vencida a batalha, é apagar a memória do outro. E é isso que Báez nos conta em seu estimulante livro. O último dos exemplos é a completa destruição da Biblioteca de Bagdá, quando da invasão norte americana. Tabletas de argila dos sumérios, de 5300 anos, arquivadas na Biblioteca, desapareceram. Nossa mídia, sempre atenta, preferiu o silêncio.

O autor, em seu percurso, nos mostra exemplos contundentes: a destruição da biblioteca de Assurbanipal, talvez o primeiro grande colecionador de livros da antiguidade, pelas tropas de Senaquerib; a queima de papiros patrocinada por Akhenatón, o primeiro faraó monoteísta, assim que sucedeu Ramsés II; a destruição constante de livros na Grécia Antiga, o que fez com que, das 120 obras incluídas no catálogo de Sófocles, hoje só nos restassem sete!; a destruição da Biblioteca de Alexandria, cujo acervo foi, ao longo de seis meses, usado para acender o fogo dos banhos públicos da cidade (A Biblioteca, estima-se, possuía perto de um milhão de livros. Ali havia papiros com textos de Hesíodo, Platão, Górgias e Safo, entre tantos outros.).
Há ainda a biblioteca de Aristóteles, desaparecida logo após a morte de Alexandre Magno, de quem foi tutor. A série de destruições continua e se aproxima de épocas mais documentadas: quem já não ouviu falar da obra de Umberto Eco, O Nome da Rosa, que narra a progressiva destruição da Poética, estudo de Aristóteles dedicado à comédia? O esforço da Igreja é incomparável e vem até o século XIX com seu famoso Index. Representada ora por São Paulo, que lutou contra o que considerava 'livros mágicos', ora pelas Cruzadas, que destruiu milhares de manuscritos quando da chegada da Quarta Cruzada a Constantinopla, ora pelo papa Inocêncio III, que ordenou a queima da obra de Abelardo (o da Heloísa), ora pelo Santo Ofício, que excomungou a obra de Lutero, ora por Felipe II, que fortaleceu a censura católica... e por aí vai. A França, quem diria... a França também patrocinou a queima de livros. Carlos IX ordenou a queima de livros que considerava perigosos. Voltaire, teve Dictionnaire Philosofique, banido. A Revolução Francesa estimulou a destruição de livros: foram mais de 8 mil queimados em Paris. A Comuna de Paris, em 1871, fez o mesmo.

A lista, infelizmente, é enorme. Não se pode esquecer ainda de Hitler, de Pinochet, de Fidel, da Revolução Cultural Chinesa, do Kmer Vermelho, no Camboja, da ditadura Argentina, das tropas russas na Checênia, enfim, todos, ditadores ou ditaduras, que não suportam a opinião e a memória do outro. Todos, sem exceção, com desvio ditatorial de DNA.

Nota: História Universal da Destruição de Livros; Fernando Báez, Editora Ediouro.
Fotos: O Pentateuco, livros, antigos, estrutura do DNA.

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