Revista Philomatica

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Machado Pop Star!



Depois de haver desabrigado o bichano que dormia profundamente da grande almofada, o garoto, mal se instalara, ouviu os gritos da mãe: ___ Quantas vezes eu já disse que é para estudar no quarto e não na sala? ___ Mas mãe! A mãe, D. Tonica, professora de literatura e mãe de Francisco desde sempre, retrucou: ___ Não tem mais nem menos! Salvo pelo gongo, ou melhor, pela campainha, ele ali continuou, mais se resfetelando na grossa almofada que preocupado com a folha e o lápis que, à sua frente, meio que lhe indagavam pelo toque suave dos dedos. Esquecera completamente a bronca da mãe. Era sempre assim. Quando algum de seus alunos chegava, ela se transformava. Sua meiguice e delicadeza atingiam nível igual ou superior à sua inteligência. Conhecia tudo de literatura brasileira. Aos 10 anos, o pequeno Paco – era assim que o chamavam em homenagem ao avô espanhol, não entendia muito bem porque era tão importante para a aluna de sua mãe, que chegara há pouco, saber das intimidades de Bentinho e Capitu. Afinal, ia ser médica. À menção de Capitu lembrou-se de quando o avô dissera que a vizinha, dona Lucrécia, era mulher dissimulada, Capitu na vida, ouviu mesmo quando suspirou um coitado do seu Ernesto, tão jovem e corno! ___ Não diga isso na frente do menino homem!, dissera a mãe. Em princípio atento às explicações da mãe, aos poucos se sentiu sonolento e viu sua Capitu; loura como dona Lucrécia, seios grandes, olhos azuis... Não via mais nada, deixou-se levar e murmurou: Capitu... ____ Ei! Acorda moleque. Paco! Paco! Você não está me ouvindo? Venha cá, rápido! Vá até a banca de revistas do seu Manoel e me traga uma revista sobre o Machado de Assis. Ele sabe qual é; eu já havia reservado. Num sobressalto o menino ouviu a enxurrada de imperativos e em instantes já estava em direção a banca do seu Manoel, que numa liberdade não concedida sempre lhe beslicava as orelhas e exclamava: mas é a cara do avô, não há o que dizer! ___ O que queres? ___ Vim buscar a revista do Machado que minha mãe reservou. ___ Não separei meu jovem, estou só e com uma porção de coisas a fazer e, ainda por cima, adoentado. Ah! que saudades de quando era assim como tu, um pirralho... Bem, deixa pra lá! Vá lá, procure nos clássicos. ___ Mas minha mãe acabou de dizer que ele é moderno! ___ Ora, pois! Tão jovem e já sabe que para ser clássico há que ser antigo. Mas o que aposto que tua mãe não te disse é que hoje já estamos a ver clássicos modernos. Isto lhe digo já que, para mim, os clássicos são os mais procurados. Já ouviste de tua mãe que, para o momento, nosso maior clássico está para ser o senhor Coelho? ____ Não, esse nunca! ____ Pois vá lá, se Machado é moderno estará entre os clássicos. Minutos depois, Paco, mãos vazias, exclama: Não achei nada, seu Manoel! ____ Ah! Tu não sabes procurar! Não te disse que os clássicos são os mais procurados? Pois então, a revista de Machado está na seção dos populares, que para dar um ar de modernidade chamei de a seção dos pop stars. É fácil, vá lá! Vais encontrar o que mais se procura: Madonna, a mulher Melancia e também o teu Machado. Paco contorna o estreito corredor e dá de cara com a mulher Melancia, pernas em V, bumbum em riste, como a piscar para Machado que, sereno, plácido, olhos perdidos sob o pince-nez, parecia olhar para além da mulata (para Paco ele estava a apreciar) até a Madonna que também de pernas ao ar e em contorcionismo radical, provava a tese do seu Manoel. A mãe quando soube onde Paco encontrara os Cadernos Literários, que estampavam Machado na capa, não se conteve e exclamou: Ah, meu Deus! Ainda bem que ele já se foi. A aluna, kardecista e pró Capitu, disparou: eu penso é na Carolina, dona Tonica, que a essa hora pode até ter se reencarnado!
Créditos: Caricatura por Stegun do Fabricarica - Imagens Google.
Texto originalmente publicado em no Jornal A Lupa, em novembro de 2008.