Revista Philomatica

terça-feira, 6 de abril de 2010

Era uma vez...

O título remete às histórias infantis, aos contos de fadas. Era uma vez, num reino muito distante, uma princesa virgem (rsrsrs). Ah, meu querido leitor, isso já não é mais possível! Onde acharíamos nós uma princesa virgem? E um reino muito distante nesse mundo de meu Deus, todo globalizado, com os satélites invadindo cada cantinho nosso e desnudando-o todo nas páginas do Google? Considerando bem, você pode trazer sua exata contrariedade e afirmar: mas e o Bin Laden? Ainda não acharam sua caverna. Aí, dou-lhe minha réplica: não acharam sua caverna porque afinal eles, os do norte, precisam de um contraponto; se o matassem, cairíamos todos na mesma balela: Elvis não morreu, Michael Jackson não morreu, Bin Laden não morreu e, sinceramente, esqueceríamos da caverna e iríamos diretamente tratar de túmulos e outros afins. Em se tratando de túmulos, não tem sido outro o destino dos casarões coloniais por todo o país. Já disseram que somos um povo sem memória. Acreditei que exatamente por se dizer isso, encontraríamos alguma. Qual nada! Continua tudo na mesma. Já falei aqui da Ermida do Guaibê que se desintegra sob a água das chuvas, a ação dos vândalos e a indiferença do poder público.

Experimente você pesquisar na Internet sobre casarões que se foram recentemente. Vale um conto: Era uma vez um casarão, numa ex-capital federal que, à sua maneira, se reurbanizou e inspirou-se tanto em Paris, que chegou mesmo a ter um período de sua história chamado de Belle Époque Tropical... Agora coloque o sujeito principal no plural. Multiplique a palavra casarão várias vezes, eleve a potência, aí, sim, terá a justa medida do descaso. A história é sucessiva e impiedosa. Veja-se:

Terreno de casarão que desabou após incêndio no Centro do Rio tem ... - 10:28
25 Mar 2010 ... RIO - Alguns dias após um incêndio que destruiu um casarão no Largo de São Francisco, Centro histórico e corredor cultural do Rio de Janeiro ...oglobo.globo.com/.../terreno-de-casarao-que-desabou-apos-incendio-no-centro-do-rio-tem-destrocos-vergalhoes-exposto-sem-isola... -
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Cliqz.com - related to: Incêndio atinge lojas e prédio desaba no ...
Enquanto os bombeiros tentavam apagar as chamas, a fachada desabou. Um incêndio destruiu um casarão centenário no Rio de Janeiro. ...www.cliqz.com/br.actualidade/c/91048.html - Em cache
desabamento no Centro do Rio - Alexandre Costa Pereira - 10:31
Próximo ao casarão que desabou parcialmente, funcionam a escola de música da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a Sala Cecília Meireles, ...www.portalmaratimba.com/noticias/news.php?codnot... -
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G1 > Edição Rio de Janeiro - NOTÍCIAS - Após desabamento, ruas do ...
19 Mar 2010 ... Parte de um antigo casarão desabou após incêndio. Defesa Civil aguarda liberação para vistoriar casarões vizinhos. Do G1, no Rio, ...g1.globo.com/.../Rio/0,,MUL1536785-5606,00-APOS+DESABAMENTO+RUAS+DO+LARGO+DE+SAO+FRANCISCO+CONTINUA... - Em cache
Ivanaldo Xavier: Casarão desaba em governador Dix-Sept Rosado
O antigo casarão fica localizado na Rua Dix-huit Rosado e pertence à Mineração Jerônimo Rosado. ... Universidade Federal do Rio de Janeiro desenvolve . ...ivanaldoxavier.blogspot.com/.../casarao-desaba-em-governador-dix-sept.html - Em cache
Vídeos Terra TV - Brasil Casarão desaba e mata 7 pessoas no Recife
Rio de Janeiro ... Dilma chora em cerimônia de despedida da Casa Civil ... Médicos em greve liberam paciente que morre em casa ...terratv.terra.com.br/.../Casarao-desaba-e-mata-7-pessoas-no-Recife.htm?... - Em cache
Casarão desaba no centro do Rio; não há confirmação de feridos ...
5 Dez 2009 ... Um casarão desabou na tarde deste sábado no centro do Rio de Janeiro. De acordo com informações preliminares do Corpo de Bombeiros, ...noticias.bol.uol.com.br/brasil/2009/.../ult4733u47248.jhtm - Em cache
CASARÃO DESABA EM FRENTE IGREJA DE STO ANTONIO - Bahia notícias
18 Mai 2009 ... Mais um casarão desabou na manhã desta segunda (18) por causa das fortes ... 02/01/2010 00:00 - CHUVAS NO RJ FAZEM GEDDEL SUSPENDER FÉRIAS ...www.samuelcelestino.com.br/.../40171,casarao-desaba-em-frente-igreja-de-sto-antonio.html - Em cache
Chuva provoca desabamento de casarão, queda de árvores e ...
21 Abr 2009 ... Um casarão desabou na manhã desta terça-feira, 21, ... é so aqui? sao paulo fica alagada,recife,rio de janeiro,TODAS.ou seja,brasil :) ...www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=1128571 - Em cache
Parte do Casarão do Embaixador Expedito Resende desabou ...
6 Mai 2009 ... Parte do Casarão do Embaixador Expedito Resende desabou ... Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte ...www.meionorte.com/piripiri,parte-do-casarao-do-embaixador-expedito-resende-desabou,83930.html - Em cache - Similares

Nada a comentar: é só você, leitor, se aventurar por uma dessas notícias (Isso é só a primeira página de uma pesquisa!!!) e verá o descaso de prefeituras e autoridades. Lamentável!

Felizmente, não se perde tudo e a memória não se apaga totalmente em razão de registros e da passagem de espíritos altaneiros, curiosos e elevados, a exemplo de Marc Ferrez, fotógrafo, nascido no Rio de Janeiro e um dos pioneiros da fotografia no Brasil. Ferrez, abandonou seus estudos em Paris (1859) e, de volta ao Rio, trabalhou com o gravador e litógrafo George Leuzinger. Aprendeu a fotografar com o engenheiro e botânico Franz Keller e fundou sua própria firma, a Marc Ferrez & Cia (1864). Participou de uma expedição científica da Comissão Geológica do Império do Brasil, quando fotografou pela primeira vez, em plena selva, os índios botocudos (1875). Participou de várias exposições internacionais e teve algumas obras premiadas. Foi professor de fotografia da Princesa Isabel e, por seu trabalho artístico, recebeu do Imperador D. Pedro II o grau de Cavaleiro da Ordem da Rosa (1885). Entusiasta do cinema, inaugurou o cine Pathé, na avenida Central (1907). Morreu na sua cidade natal e deixou um acervo de centenas de chapas fotográficas. Sua obra constituiu um acervo fotográfico que se destacou pelo registro da natureza do país e registro da transformação radical da paisagem urbana do Rio de Janeiro no início do século XX. Um álbum de fotografias (1906-1907) sobre a arquitetura da avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, é tida como sua obra mais conhecida.

A família Ferrez há muito mantinha ligação com o Brasil. Os dois primeiros membros da família que se radicaram no Brasil, vindos da França, participaram do esforço inaugural de sistematização do ensino de arte no Brasil, iniciado com a criação da Escola Real de Ciências Artes e Ofícios, em 1816 - transformada, em 1820, na Academia de Belas Artes. Vieram em 1817, um ano depois de ter aportado, no Rio de Janeiro, o primeiro grupo de escultores, arquitetos e pintores, aos quais convencionou-se chamar de Missão Artística Francesa, de 1816. Eram eles os irmãos escultores Marc e Zépherin Ferrez, que se entusiasmaram tanto com o Brasil que aqui decidiram ficar pé.

Filho de Zépherin, o fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923) foi não só o mais importante profissional da fotografia no país, no século XIX, a ponto de ter sido o único agraciado com o título de Fotógrafo da Marinha Imperial, mas também um destacado representante de produtos fotográficos, contribuindo para a difusão e a consolidação da prática da fotografia no Brasil. Ferrez também integrou a primeira leva de exibidores cinematográficos do país, e, como representante de equipamentos e produtos cinematográficos, ajudou a montar salas de cinema Brasil afora, inclusive fornecendo filmes para programá-las. Em São Paulo, na Galeria Olido, é possível ver parte do trabalho de Marc Ferrez na Exposição Família Ferrez: em retrato de grupo, uma vez que a mostra também traz parte do trabalho de seus descendentes, Júlio, Luciano e Gilberto Ferrez, todos, amantes da fotografia que ajudaram a registrar a memória que insistimos dizer que não temos e, de certa forma, a eternizar a nostalgia de tempos em que a natureza já foi mais exuberante e a arquitetura mais que uma caixa de concreto, tijolos e vidros, não raro enquadrada por alumínio e erigida em meio ao puro asfalto, desprovida de charme, mas abundante de néon.
Imagens: Avenida Central (atual Rio Branco), no Rio, em 1910, quando era repleta de construções em estilo neoclássico; Largo do Paço e Rua Primeiro de Março, 1890, Rio de Janeiro; Rua Primeiro de Março, 1890, Rio de Janeiro e Machado de Assis, 1890, por Marc Ferrez.

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