Revista Philomatica

sábado, 18 de junho de 2011

25 anos sem Jorge Luis Borges


A morte em Genebra, há 25 anos, do escritor argentino Jorge Luis Borges provavelmente privou a literatura hispano-americana de seu mais célebre ícone. Sua popularidade e ascendência contavam então com poucos rivais. Curiosamente, o tempo jogou a seu favor. E hoje, quando se reedita na Espanha boa parte de seus livros, sua obra continua sendo um farol que ilumina as novas gerações. Sua maneira de escrever, tanto como sua maneira de ler, sua audácia na hora de apagar as fronteiras entre os gêneros, de fazer poemas-ensaios, contos-poemas ou ensaios-contos, de definitivamente passar por alto a dicotomia ficção-não ficção, o transformaram em um profeta do devir da literatura moderna.
Borges morreu em 14.6.1986, aos 86 anos. Não foi uma casualidade ir a Genebra para morrer, cidade com a qual tinha laços desde a infância. Borges não quis voltar a Buenos Aires diante do temor de que sua agonia se transformasse em um espetáculo nacional. A ideia o aterrorizou de tal maneira que quando soube que estava com câncer, durante uma viagem pela Itália, pediu por favor a sua mulher, María Kodama, que não dissesse nada e que voassem para a cidade suíça. Ali, comunicou sua intenção de ficar até o final. No
entanto, sua reta final não foi a de homem resignado. Durante os meses que passou esperando a morte, dedicou-se a estudar árabe.
Borges foi um escritor enormemente midiático, provavelmente um dos primeiros a se transformar em celebridade literária, mas sua fama nunca foi correspondida em número de leitores. "Essa era uma sensação que ele já tinha e que infelizmente foi corroborada depois de sua morte", afirma Kodama. Entre as estratégias comerciais para atrair leitores está a compra há um ano pela Random House Mondadori dos direitos dos 54 livros de sua obra. Sempre editado na Espanha pelas casas Emecé e Alianza, Borges passou assim, em bloco, para outras mãos, depois de uma negociação capitaneada por seu agente, Andy Wylie El Chacal. "Também temos os direitos digitais, e isso em Borges será muito importante", indica um diretor da Random House, que nega que Borges não seja lido: "Se vende muito, sobretudo duas ou três obras suas".
Enquanto na Argentina se optou por lançar as obras completas e a edição de bolso, na Espanha, por enquanto, foram editados os contos completos e a poesia completa (ambas pela Lumen) e, na Delbosillo, Historia Universal de la infamia, Ficciones, El Aleph, El libro de arena, Historia de la eternidad e, em um só volume, Inquisiciones e Otras inquisiciones. No outono se somarão Miscelánea e, em um estojo de três volumes, Textos recobrados.
Paralelamente, outras editoras aderiram a essa onda de reedições. A Nórdica com Kafka Borges, uma edição ilustrada tipograficamente que inclui vários relatos de Borges para os quais Kodama deu os direitos e, na Alfaguara, Cuentos memorables según Jorge Luis Borges, uma antologia inspirada em uma entrevista do escritor.
Mas a voz de Borges vai além do próprio Borges. Escritor de escritores, só entre as novidad
es dos últimos tempos se encontra Help a él (Periférica), essa sequência de El Aleph do recém-falecido Roberto Fogwill, escritor que poderia se apresentar como a nêmese do próprio Borges, ou El hacedor de Borges. Remake, de Agustín Fernández Mallo (Alfaguara). Para o líder da chamada Geração Nocilla, Borges é "o grau zero da literatura". "Nele se concentra toda a literatura anterior, lançando uma nova literatura que chega aos nossos dias. Tem vida. Por seu caráter poliédrico, sugestivo. Pode ser estudado a partir das matemáticas, da astrologia, da semiótica. Li El hacedor com 18 anos e me abriu um mundo desconhecido."
"Foi muito útil para nós o modo como resistiu ao estereótipo sobre que tipo de escritor era", afirma Ricardo Piglia. "Era muito latino-americano e muito pouco latino-americano ao mesmo tempo. Borges contista, Borges poeta, Borges leitor? É a mesma coisa, embora o dividamos para nos entendermos. Avançou em algo que mistura ficção e autobiografia, isso que hoje se encontra em Magris ou Sebald ou em muitos outros, e que ele fez nos anos 40." É o que Alberto Manguel denomina AdB e DdB. "Existe a literatura Antes de Borges e a literatura Depois de Borges. Borges criou sua obra na medida em que a ia lendo, e ia lendo na medida em que criava sua obra. Deu poder ao leitor, o poder de decidir o
que é que estamos lendo."
Sabe-se pouco da intimidade de Borges e menos ainda da de seus últimos dias. A viúva, María Kodama, aproveitou nestes dias sua presença na Casa da América para revelar a uma legião de fiéis leitores borgianos alguns detalhes pouco conhecidos da estrofe final de seu marido. "Para Borges a intimidade era sagrada, ele se autodenominava um cavalheiro do século 19. E foi esse pudor que o levou a querer morrer em Genebra. Não queria ver sua agonia empapelando sua cidade [Buenos Aires]", relatou Kodama.
Como prova de seu insaciável e legendário apetite intelectual, Kodama lembrou que o escritor "passou os últimos dias estudando árabe". "Ele queria que continuássemos nossos estudos de japonês, mas não encontrei nenhum professor a domicílio. Buscando o japonês, vi o anúncio de um egípcio de Alexandria que ensinava árabe. Borges se animou com a ideia. Eu lhe telefonei logo, sem reparar que eram 11 horas da noite, que na Suíça são como 4 da madrugada no resto do mundo, e lhe dei todo tipo de explicação porque não podia ter um não como resposta. Eu estava desesperada. Marquei encontro no fim de semana no hotel. Quando abri a porta e ele viu Borges, começou a chorar. "Por que não me disse?", perguntou entre soluços. "Li toda a obra de Borges em egípcio." Eu não lhe disse nada porque queria que fosse o destino que decidisse, não queria lhe dizer que as aulas eram para Borges, preferia que pensasse que eu era só uma mulher louca. Aquele professor lhe dedicou horas belíssimas nos últimos dias de Borges, desenhando em sua mão as preciosas letras do alfabeto árabe. Tomamos chá, conversamos. Passamos divinamente."
Borges morreu em 14 de junho, há 25 anos. E agora sabemos que entre todos os saberes que se extinguiram com ele contava-se também um incipiente conhecimento de árabe.
A partir de Borges se agranda después de Borges, de Elsa Fernández-Santos, El País.com
Imagens: Caricatura e foto disponíveis no Google Images.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Foto de cão dependurado em varal gera revolta no Facebook

Vamos falar de utopia? Pois é, dizem que a palavra foi cunhada a partir dos radicais gregos ο - “não” e τόπος - “lugar”, portanto”, o “não-lugar”, algo como “lugar que não existe."
O termo se popularizou a partir da publicação, em latim, no ano de 1516, de Utopia, obra de Thomas More. More, fascinado pelos relatos de viagem de Américo Vespúcio sobre a recém avistada ilha de Fernando de Noronha, em 1503, produziu uma obra que ao longo da história da circulação literária, tornou-se sinônimo de algo fantasioso e irrealizável.
Sempre que se fala em utopia, ventila-se a ideia de quimera, delírio, fantasia, etc., razão pela qual me pergunto o que pensara Mahatma Gandhi quando disse que “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados”. Este sinal de uma civilização ideal, respeitosa, fantástica, há de ser sonho de pacifista até quando? Por que a cada dia, numa época em que as pessoas se julgam civilizadas e o progresso caminha a passos largos, nos deparamos com uma total inversão de valores a ponto de chegarmos a duvidar da ciência, que um dia afirmou ser o homem um animal "racional"?
O porquê da prosa? Ontem à noite, lia as últimas notícias na internet e me deparei com a notícia de que o jovem filipino, Jerzon Senador (qualquer semelhança do nome com estripulias do pessoal de Brasília, é mera coincidência), entediado, resolveu partir para a crueldade, dependurou seu cãozinho no varal, fotografou e publicou as fotos no
Facebook. Procurava, assim, de maneira covarde, seus quinze minutos de fama.
A campanha contra Senador foi grande, ele retirou as fotos e pediu perdão. Você perdoaria caso tivesse sido pendurado à exposição pública? Bem, é claro, o perdão depende do grau de cristandade do su
jeito – e as Filipinas, dizem, são um país cristão. Eu, pessoalmente, penso que estão se habituado a nos estapear a outra face.
Mas nem tudo está perdido, acreditem! Segundo li, nas Filipinas, em maio de 2010, houve a primeira condenação de alguém a
cusado de crueldade contra animais, o caso de um jovem da Universidade das Filipinas, multado em 2.000 pesos filipinos e condenado a dois meses de trabalho comunitário por ter matado um gato dentro do campus universitário e divulgado o assunto em seu blog.
Fim da prosa? Nada disso. O que mais me surpreendeu foram os comentários dos internautas brasileiros, povo cristão, ordeiro e respeitoso (?), sobre o ocorrido. Em geral não leio esse tipo de expressão pessoal, temo embrutecer, embora migalhas ali sejam aproveitáveis. Não vou reproduzir aqui as idiotices que li, porém, é curioso que os codinomes não condizam em nada com o que é falado. Uma pessoa intitulada Professor reclama de que há assuntos muito mais importantes a serem publicados e argumenta que o cachorro não sentiu dor física, embora sinta tensão emocional. “Nota-se isso pelo seu olhar!”, afirma o cara pálida. Um outro, o Dono da Razão, não questiona o fato, mas sim, a causa. Tivesse ele sido pendurado depois de um banho para que se secasse, tudo bem!
A estupidez vai além e há aqueles que acreditam que as pessoas não se importam com crianças de rua, assassinatos, a impunidade geral e irrestrita desta casa-de-mãe-joana, por que deveriam se importar com animais? Há ainda aqueles que, quando questionados sobre os absurdos ditos, sentem-se tolhidos em seu direito de expressão - essa mania de brasileiro que acha que o ouvido dos outros é pinico e por isso pensam que somos obrigados a concordar com tudo.
Que não concordem com meu respeito aos animais, vá lá, mas covardia é covardia! Digam o que quiserem, mas, ainda assim, continuo pensando feito Gandhi, mesmo que tudo não passe de utopia.

Para saber mais:

http://tecnologia.uol.br/ultimas-noticias/redacao/2011/06/15/fotos-no-facebook-de-cachorro-pendurado-num-varal-despertam-ira-de-usuarios-da-rede.jhtm

Imagens: Todas disponíveis no Google-Images.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Museu do romance da Eterna

Há dias me veio às mãos o delicioso livro Letras Francesas, de Brito Broca, versão em volume dos comentários do crítico publicados nas páginas do suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo, de 13.10.1956 e 30.9.1961, uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo, algo - parece-me, inconcebível em dias atuais de intelligentzias furta-cor, ora azul-amarela ora vermelha.
Lá pelas tantas, Broca, ao comentar o Prêmio Goncourt de 1958, atenta para o fato de o prêmio ter sido concedido a Francis Walter, escritor belga que até então não publicara nada mais que dois ensaios filosóficos. Broca fala também da tradição dos Goncourt em revelar autores novos e desconhecidos, embora Walter já tivesse ultrapassado a casa dos cinquenta. Porém, o que mais desperta a atenção do crítico é a mania dos Goncourt de escolher os romans-fleuves, aqueles calhamaços meio Bíblia que não raro ultrapassam as quinhentas páginas.
Ocorre que Saint-Germain ou la Négotiation é pequeno, o que poderia levar o leitor
a crer que o romance refletia as novas tendências da época, ou seja, fosse um romance de técnica revolucionária, com mudanças de estrutura semelhantes ao que pregavam Robbe-Grillet e Michel Butor.
Engano: Broca avisa que o romance tem construção clássica, é escrito em primeira pessoa, em forma de memórias e em tudo lembra o romance balzaquiano.
Quando lemos um romance normalmente nos colocamos na pele do narrador - seja ele onisciente ou subjetivo -, nos esquecemos da nossa condição de leitor e mesmo do lugar da leitura, vamos em busca de nosso objetivo: a sedução pela leitura, a evasão para mundos distantes e diferentes. Ainda que o livro trate de literatura, é quase impossível não se deixar seduzir por um mise en abyme, que nos coloque em contato direto com as interações entre o autor, sua obra e seu leitor.
Esse mergulho nos livros através do livro tem sido comum em literatura. Talvez a mais intrigante e feliz experiência nesse sentido tenha sido Dom Quixote. Inesperadamente, ao descobrirmos que a jornada de Quixote teve sua origem nos livros, ficamos fascinados como Cervantes conduz suas personagens num jogo que mescla as fronteiras da ficção à realidade confundida alegremente por Dom Quixote em sua eterna batalha contra os moinhos de vento.
Voltando às considerações de Brito Broca, constatamos que o romance moderno ganhou nova estrutura na esteira do que preconizavam Robbe-Grillet e Butor e há casos em que isso foi levado ao extremo.
Em 1975 foi lançado na Argentina Museu do romance da Eterna, de Macedonio Fernández. Este livro que só ganhou sua primeira edição 15 anos após a morte do autor, em 1967, é um pequeno enigm
a escrito ao longo de quarenta e oito anos, uma colcha de retalhos da teoria literária, filosófica e metafísica do autor a ponto de Fernández ser considerado um dos mentores de Jorge Luis Borges.
A principal característica do livro é sua primeira metade, constituída exclusivamente por prefácios, ao todo sessenta! Ali o autor explica sua abordagem e suas teorias - sobre a arte, a paixão, a beleza, a morte, sua noção sobre a realidade, que ele diz tratar-se de uma imagem de consciência individual e que, portanto, pode ser confundida com sonho -, além de apresentar suas personagens, o conteúdo de sua história e revelar os principais entrechos.
Fernández sustenta que um bom romance não deve ser baseado em uma história, mas em estética pura, portanto, afirma te
r escrito o “primeiro romance verdadeiramente artístico”. Entre suas influências literárias, nota-se, está Dom Quixote. A opção por mitigar o excesso de realismo não tem função outra que dar rédea livre à imaginação, sem criar expectativas no leitor, não raro, ancorado no real.
Um dos aspectos de Museu do romance da Eterna é que gira em torno da literatura. Muitas de suas reflexões são sobre a realidade filosófica e metafísica, o tempo, a memória, a identidade, a ciência, a solidão, a cidade, etc.
Embora curto como a obra de Walter, a diferença é que o Museu do romance da Eterna é um meta-romance e, sem dúvida, uma das mais bem sucedidas reflexões sobre a natureza do romance.

Para saber mais: Museu do romance da Eterna, Cosac Naify, 2010. Tradução de Gênese Andrade.

Imagens: 1. Capa do livro editado pela Cosac Naify; 2. Macedonio Fernández. Todas disponíveis no Google Images.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

MEC irá apurar erros e pobremas em livros distribuído

O bolso, dizem, é a parte mais sensível do corpo, e a amizade, indestrutível ao tempo. São aforismos, clichês, mas eu, cá com meus botões, acredito piamente que um aforismo contradiz o outro. Quer ver? É só aquele seu amigo querido começar com o vezo de não mais se lembrar de pagar o dinheirinho, que na hora do aperto – dele -, você emprestou. Não há amizade que resista!
Agora uma outra situação: vá você a um café, consuma o equivalente a 10 reais, pague a dívida com uma nota de 20 reais e receba de troco 8 reais. A conta está certa? Claro que não! Prova de que o bolso é a parte mais sensível do corpo é que você, de pronto, reivindica os 2 reais que lhe são de direito. E por que para o MEC 16 menos 8 é igual a seis, 10 menos 7 é igual a 4?
Dito isto o MEC me autoriza a começar o próximo parágrafo de duas maneiras: Tem sido tão frequentes as gafes do ministério que... (ou) Tem sido tão evidente a incompetência do ministério que...
Escolha uma ou outra, leitor, e verá que no final dá – ou dará - tudo na mesma: não se achará os responsáveis, haverá meia dúzia de explicações contraditórias e tudo acabará em pizza!
Há menos de um mês o MEC foi notícia: distribuiu em 4.236 escolas do país um livrinho intitulado Por uma vida melhor que reacendeu a discussão sobre como registrar as diferenças entre o discurso escrito e o oral. Em tempo: segundo a imprensa o livro foi idealizado pela ONG Ação Educativa que, não se esqueça, deve ser patrocinada com dinheiro do contribuinte. Lá, no livro, você encontra pérolas como: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.”
Você leitor, claro, já notou que há erro de concordância. Mas e daí? Você pode dizer os livro? Sim, pode! Afinal, não havia um ex-presidente que dizia que sua mãe havia nascido analfabeta? Ironias a parte, a autora do malfadado livro se explica (pág. 15): “Você pode estar se perguntando: Mas eu posso falar os livro? Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”.
Segundo o MEC o livro está em acordo com os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) – normas a serem seguidas por todas as escolas e livros didáticos, e em respaldo ao livro, afirma no texto dos PCNs: “A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala” e complementa: “Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos”.
Ora, tudo isso é óbvio. É sabido de longa data que o discurso oral é diferente do escrito, aliás, frequenta-se a escola para descobrir, entre outras coisas, detalhes linguísticos como este que, caso passem despercebidos, podem comprometer o futuro do estudante. Vá um estudante que tenha se revoltado contra a tal mutilação cultural participar de uma entrevista de trabalho e nela empregar o discurso do MEC dizendo coisas como nóis vai, os livro, a gente somos... Sorte a dele se a entrevista for para pleitear um trabalho no MEC, pois, caso contrário, em qualquer outra empresa - séria -, se forem compreensíveis, lhe dirão que seu português é sofrível, senão, nem isso.
Qualquer cristão sabe que ao dizer “Nóis vai de ônibus” ou “Nóis é di menor” a função comunicativa também se realiza, seu interlocutor compreende não só aquilo que você quis dizer, como também fica a par de suas deficiências linguísticas.
Do outro lado do cipó está o linguista Evanildo Bechara, da ABL, que critica a intelligentzia do MEC: “Há uma confusão entre o que se espera da pesquisa de um cientista e a tarefa de um professor. Se o professor diz que o aluno pode continuar falando ‘nós vai’ porque isso não está errado, então esse é o pior tipo de pedagogia, a da mesmice cultural” e conclui: “Se um indivíduo vai para a escola, é porque busca ascensão social. E isso demanda da escola que lhe ensine novas formas de pensar, agir e falar”.
Afinal, o que fica é não pender para exageros, o que não quer dizer que qualquer registro linguístico pode ser usado em qualquer situação.
Essa foi a polêmica do começo de maio. Para junho, o MEC criou outra envolvendo a área das exatas - a matemática.
Ontem li que o MEC vai abrir uma auditoria para apurar os responsáveis pelos erros em 7 milhões de livros usados como material de apoio em escolas públicas por todo o país. Valor da conta? R$ 13,6 milhões pela impressão das obras, não contabilizados, claro, o valor gasto com autoria e revisão.
Espera-se que os cálculos tenham seguido a lógica apresentada nos livros, onde 16 menos 8 é igual a 6: aí o governo sai ganhando; porém, como nada é perfeito, a conta pode ter sido feita com base no cálculo de que 10 menos sete é igual a 4, neste caso, prejuízo para o governo, para o contribuinte e para o aluno em sala de aula.
Segundo a imprensa, o esmero e o cuidado é tal nos exemplares da coleção Escola Ativa (35 livros – no total, 200 mil coleções foram impressas e distribuídas) que há páginas em branco, textos sem continuidade, contas matemáticas e tabuadas erradas, além de outros problemas.
Especula-se, segundo li hoje, que haja outros envolvidos nesse imbróglio todo: Tiririca, integrante da Comissão de Educação de Cultura da câmara dos deputados está bem cotado. Há também Palocci, que pode ter sugerido como fonte um livro excepcional que possui. Nele, dizem, na página 2010, há um cálculo curioso: aplicando-se um valor x, por um período de quatro anos, pode-se multiplicar esse valor em até 20 vezes!
Dizem ainda que se trata de uma nova fórmula matemático-socialista de enriquecimento do patrimônio particular.

É..., pior que tá, fica!

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sexta-feira, 27 de maio de 2011

"Tem animal solto na rua? Tem que matar.": vereadora Sílvia Fernanda de Almeida, a Beatriz Rondon da vez.

Há dias num desses comentários semanais – Chateaubriand, os sinos e o mau humor-, elogiei a pacata São João del-Rei por sua romântica persistência em manter a tradição de tocar os sinos. Isto porque em várias outras cidades pipocavam ações na justiça calando as badaladas que um dia encantaram Chateaubriand, o grande romântico francês.
Quando se acha que já se viu de tudo, não é que São João del-Rei abandonou seus tão badalados sinos, ignorou completamente meus elogios e ganhou as manchetes da semana? Quer saber como, leitor? Pelo arruar de uma de suas filhas, a vereadora Sílvia Fernanda de Almeida (PMDB), que provocou polêmica ao defender o extermínio de animais de rua em sessão da câmara dos vereadores.
Permita-me, leitor, infiltrar-me por seus pensamentos - sem quebra de sua integridade
, claro-, e repetir o que ora se pergunta: “Como? Exterminar animais? Não entendi. __ Nem eu, leitor. Para que serve mesmo um vereador? Essa, leitor, nem sei como ou o quê lhe responder. Dada a extensão da matéria, caso seja paciente, é provável que consiga garimpar muita coisa nas páginas ditas político-policiais. Antes, porém, confesso: minha intenção era falar de um livro delicioso que ora leio – O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, mas, essa tal de Sra. Almeida se intrometeu em minhas ideias, desviou-me do caminho, e como tenho eterno apreço pelos animais, aqui estou a defendê-los e a denunciá-la.
Adianto que não sou versado em pantomimas políticas, mas embuste é embuste, logro é logro e, não se tendo nada a fazer – a educação e a saúde em São João del-Rei são as pérolas da cidade, motivo de orgulho -, a ilustre vereadora voltou-se aos indefesos animais. Portanto, cidades desse grande antônimo de federação: mirem-se no exemplo de São João del-Rei e lá encontrareis o que há de melhor para seus filhos e do
entes.
Mas, ainda assim, algo me preocupa: por onde andará a sanidade da Sra. Almeida em terra onde a cura está ao alcance de todos? Leitor, talvez não tenha entendido nada. Nem eu! O que fazer com ideias tão antípodas? Perco-me entre a arte e o interesse.
Criam-se ONGs, leis e institutos para preservar a vida animal: por que a cidadã mineira toma rumo contrário? Inclino-me a acreditar que há algo de errado com a sanidade da vereadora.
Contudo, dizia Boileau: Rien n’est beau que le vrai; le vrai seul est aimable. Deveria, pois, seguir o conselho da Sra. Almeida?: “Tem animal solto na rua? Tem que matar. Eu sou a favor de uma atitude que ponha fim definitivamente ao problema.” Afinal, isso é o verdadeiro – le vrai -, foi o exatamente isto que ela disse.
T
alvez, se perfilhasse o raciocínio de Schopenhauer e não acreditasse na ilusão da bondade da vida – ilusão, porque para o filósofo, o que preenche a vida é o conflito, o sofrimento, o desespero e a miséria-, talvez, aí sim, desse algum crédito à vereadora. Mas, por ora, fiquemos com o poeta e vamos ao que a Sra. Almeida disse de verdadeiro – é só ver o filminho na rede -, “Tem animal solto na rua? Tem que matar.”
Ora, procurada pela imprensa, a vereadora fez o que todo político pego de calças curtas faz: fez-se de ingênua, mal-compreendida et cetera e tal. Defendeu-se dizendo que não propôs um projeto para acabar com “todos” os animais soltos nas ruas da cidade e que a declaração no vídeo foi “infeliz e retirada do seu contexto”, o que, para mim, é menosprezar a capacidade intelectiva do leitor. Para isso basta ver
o vídeo em todo o seu contexto: 11m34 de longa exposição, raciocínio lógico e largamente pontuado com todos os pingos nos is.
Questionada sobre sua relação com os animais, a Sra. Sílvia Fernanda de Almeida (PMDB), partiu para a ofensa e afirmou
que “ama os animais”.
No dia seguinte aos seus quinze minutos de fama, buscando ainda os holofotes, a Sra. Almeida disse estar sofrendo ameaças de morte e disse em seu blog que seu projeto previa a doação de animais, o que, diga-se, a vereadora esqueceu-se de dizer ao longo de sua fala inflamada que veio a público, na internet. E, como sempre, a culpa é da mídia. Em política, desvia-se, rouba-se, mostra-se incompetência e a culpa é da mídia. Ah! mídia malvada, pervertida, lobo mau! E não é que a Sra. Almeida veio com um discursozinho batido, chinfrim, cheio de clichês, caças às bruxas, compactuar com os maus, atender aos poderosos etc., na sanha de se fazer passar por vítima frente aos algozes animais de São João del-Rei? Ah! esqueci-me das penas ao vento – hilário. Leia leitor, leia, e tire suas próprias conclusões, e não se esqueça de seu voto nas próximas eleições. Afinal, esse grande satã, essa besta que é a mídia, sempre desvirtuando tudo, colocando palavras na boca das pessoas...:
"A mídia, como sempre muito competente para atender aos poderosos, não me ouviu e, se o fez, editou de maneira a favorecer o clima de caça às bruxas. Espalharam um travesseiro de penas ao vento, que não tenho como recolher. Os que não me conhecem, acreditam em qualquer coisa porque são inocentes quanto ao jogo político. Aceitarão a manipulação e nada posso fazer. Aos que me conhecem, peço tão somente que se inteirem dos fatos com profunda para não serem induzidos a compactuar com os maus", escreveu em seu blog.

Para saber mais, acesse:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/05/25/vereadora-de-minas-gerais-defende-exterminio-de-animais-de-rua-e-cria-polemica.jhtm

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/05/26/vereadora-que-propos-exterminio-de-animais-diz-ter-sido-ameacada-de-morte/

Imagens: Todas disponíveis no Google-Images.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Plágio: no princípio é o Control-C, o Control-V...

No princípio era o Verbo... (João 1:1). Confesso: talvez tenha sido pura perda de tempo citar João logo no início, pois, mesmo que tentasse me apropriar da célebre frase do apóstolo, rapidamente seria descoberto por algum leitor capcioso. Outros, nem tão atentos, pensariam: "Já li isto em algum lugar, não sei exatamente onde."
Pois é. Lembra-me de que no princípio era a cola. Certa vez, no primeiro ano do ensino médio - à época, colegial-, deparei-me com florestas tropicais úmidas, tundras, estepes, savanas, desertos, pradarias, taigas... Rodeei o assunto e depois de alguma leitura buscando cercá-lo, não tive dúvidas: optei pelo copiar-colar. Óbvio que não havia então o Control-X, nem Control-C, nem Control-V. Foi com Bic mesmo! Bic, papel branco e letra miúda, miudinha. Ao final da operação, o papel, já azul, era uma sanfoninha à semelhança de um fole de acordeão. É provável que o professor esperasse que eu ao menos respondesse as questões à minha maneira, o que não fiz, ergo, não sabia que plagiava. Pensando bem, por este lado, quem nunca plagiou que jogue a primeira pedra! Ops!, isto é plágio.
Naturalmente, você, leitor, sabe que essa história de jogar a primeira pedra vem de longa data e já notou que o assunto aqui é o hábito cada vez mais comum de assumir a obra intelectual ou artística de outrem, sem lhe dar os devidos e merecidos créditos.
Cheguei a isso em razão de notícias que li recentemente: plágio em tese de doutorado derruba ministro alemão; universidade confirma plágio em tese de vice-presidente do parlamento europeu; escritoras acusam de plágio a série Macho Man, da Rede Globo; SBT é notificado por plágio de quadro no Programa do Sílvio Santos, além, é claro, de histórias próximas e que correm à boca miúda, cujos envolvidos não ganham foro de imprensa.
De fato, ao longo da produção literária, o conceito de plágio é algo relativamente novo. Na Idade Média, regiam as leis da imitação. Aos escritores e artistas era permitido que buscassem um exemplum, um modelo do passado que servisse de base para que se pudesse fazer algo novo. O público que ia ao teatro ver a Fedra, de Racini, muito provavelmente já conhecia a paixão proibida vivida pela heroína em Hipólito, de Eurípedes, ou na Fedra, de Sêneca. Talvez o que procurassem era constatar o gênio de Racine ao recontar a história por outro viés, afora sua habilidade com os versos alexandrinos.
Isso ocorria porque talvez ainda imperasse a mentalidade cristã do imitatio Christi, ascese que ditava a assimilação de Cristo como modelo a ser seguido. Nesse contexto, artistas, escritores e professores apropriavam-se com liberdade de fontes cristãs e greco-latinas porque lhes parecia inspirador. No caso dos clássicos, recontar a história era, ao fazê-lo, acrescentar um nova argola à corrente, um ponto ao conto, enfim, uma espécie de plágio criativo.
Na antiguidade e, depois, na Idade Média, antes da difusão da imprensa, o direito do autor não existia: foi com a aparição do texto impresso que se instaurou a noção de propriedade literária. Desnecessário dizer que se os autores buscaram proteger suas ideias, os plagiadores não deixaram por menos e, ironicamente, criaram... maneiras e dinâmicas próprias de copiar.
O plágio constitui uma cópia ipsis litteris, sem tirar nem por, enfim, algo que pode trazer sérias implicações jurídicas e... derrubar ministros. Mas nem todo mundo pensa assim: a primeira das Fictions, de Borges, Tlön Uqbar Orbis Tertius, traz o conceito de que o plágio não existe e de que todas as obras são obras de um autor atemporal e anônimo[1], logo, todos os textos passam à condição de fragmentos de um grande texto, ou um conjunto de obras chamado literatura, patrimônio que pertence a todos.
Barthes também concebe a ideia da literatura como patrimônio generalizado ao dizer que na literatura tudo existe, resta saber onde.[2] Mas nem sempre se apropriar da fala do outro é plágio. Dentre as práticas intertextuais, a citação é claramente destacada e a interação entre os textos é bastante distinta. No entanto, a referência, assim como a alusão e o plágio, são bastante ambíguos. Sua localização depende da cultura e da sagacidade do leitor, algo que torna a relação intertextual incerta e aleatória. Em casos de apropriação total, como ocorre com o plágio, o texto citado se funde de tal maneira ao texto citante que a heterogeneidade - se notada -, só ocorre devido à sintaxe ou ao estilo, isso quando não atinge todo o conteúdo do texto, eliminando qualquer traço particular - se é que eles existem (rsrsrs). Afinal, como dizia o pregador nos Eclesiastes (1:9): nada há de novo debaixo do sol (viram que fiz uma mudançazinha?).
Para encurtar a prosa, lá vai um copiar-colar da Wikipédia. Conta-se que o escritor austríaco Egon Freidell (1878-1938), ao constatar que tinha sido vítima de plágio, em 1931, escreveu ao seu plagiador, um certo Anton Kuh, esta memorável cartinha:

Prezado Senhor,
Foi surpresa verificar que resolveu publicar a minha humilde estória, "O imperador José e a Prostituta", tal como a escrevi, com o acréscimo das três palavras: "Por Anton Kuh" , na publicação Querschnitt. Honra-me sem dúvida o fato de sua escolha ter recaído na minha estorinha, quando toda a literatura mundial desde Homero se encontrava à sua disposição. Teria gostado de retribuir na mesma moeda, mas depois de examinar toda a sua obra, não encontrei nada que tivesse vontade de subscrever. (ass) Egon Friedell.

[1] BORGES, Jorge Luís. Fictions. Paris: Gallimard, Coll. Folio, p. 24
[2] BARTHES, Roland. Le Bruissement de la langue. Paris: Seuil, 1984, p. 330

Imagens: Mona Lisa, de Botero. Todas disponíveis no Google Images.



sexta-feira, 13 de maio de 2011

Novo Código Florestal: o comunista exótico Aldo Rebelo e seu jeito ruralista de ser!

Dizem que cozinha e política não devem ser feitas às claras, porque faz perder o gosto... do jantar. E olhem que o aforismo é de longa data, Machado de Assis o empregou em uma de suas crônicas na Ilustração Brasileira, lá pelos idos de 1877, prova de que o governo dormiu no ponto, foi com as panelas à sala e comeu frio, ou melhor, não comeu.
A Reuters acaba de divulgar que o governo não tem mais disposição para negociar os pontos de tensão do novo Código Florestal, portanto, não se tem mais ideia de quando o tema voltará a ser debatido pela Câmara dos Deputados.
Depois de uma longa e exaustiva negociação na quarta-feira, entre o relator da proposta, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e o Executivo, muitos viram que o prato que lhes cabia era muito menor que o prometido. Resultado? Aux armes citoyens! Formez vos bataillons! E com a rebelião formada, acreditem, Aldo Rebelo voltou às origens, à la lanterne! Pobre homem! Perdeu a oportunidade de chegar a Ítaca por culpa de sua impetuosidade. Quis comer a sobremesa antes do jantar e, à maneira do senador Francisco Dornelles, autor de uma emenda que gerou polêmica sobre a abrangência da Lei da Ficha Limpa, trapaceou na língua. E não sou eu quem está dizendo. Foram eles, alguns dos convidados para o rega-bofe.
Aldo Rebelo. Que Aldo Rebelo? O Aldo, não se lembra? Aldo, Aldo... O Rebelo. Não acredito! Não se lembra do Aldo Rebelo? Meu Deus! Onde mora você leitor?! Do Saci-Pererê você se lembra? Pois então. Em 2003, ele apresentou PL-2762/2003 que propõe transformar o dia 31 de outubro no Dia Nacional do Saci-Pererê.
E o Pró-Mandioca? Lembram-se? Pois é obra rebeliana, de 2006. À época Rebelo, através do projeto de lei 4.679/2001, que ficou popularmente conhecido como o Pró-Mandioca, tentou tornar obrigatória a adição de 10% de raspa de mandioca na farinha de trigo destinada à fabricação do pão francês (ou pãozinho, pão de sal), fazendo você, leitor, comer gato por lebre.
Houve também a história do projeto que limitava o uso de estrangeirismos na língua portuguesa. Sabe que até hoje me pergunto onde é que o Sr. deputado viu pureza nessa língua mestiça? Outra coisa que me atormenta a alma é como o deputado designaria jeton, palavra de origem francesa, mais conhecida em Brasília, acredito, que em qualquer outro lugar do planeta.
Assim que começaram a servir o jantar, atentei-me para a salada: Rebelo, comunista, travestido de ruralista. Sinceramente, não entendi. Se ao menos fosse Cândido Vaccarezza. Esse sim faz jus ao nome. O Vacca – rezza conforme a cartilha dos grandes ruralistas, cumpre o papel ao qual está destinado.
Mas voltando ao Rebelo, ao jantar, a trapaça com a língua, et cetera e tal. Houve adiamento da votação em razão de uma acusação do PT de que o texto apresentado em plenário pelo relator Aldo Rebelo era diferente do documento acordado pouco antes do início da sessão.
Ao se defender, o relator subiu o tom do discurso e negou qualquer modificação sem aval dos líderes partidários. Aldo acusou a ex-senadora Marina Silva (PV) de ter dito pelo twitter que ele fraudou o texto. Irritado, Aldo, na pele de pecuarista mugiu: "quem fraudou contrabando de madeira foi o marido de Marina Silva". Ele arruou ainda que teria impedido, quando líder do governo, que o marido da ex-senadora tivesse que prestar depoimento em CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Caso as acusações contra o marido de Marina Silva sejam verdadeiras - e não sou louco de botar minha mão no fogo-, o Sr. Rebelo mostrou-se duas vezes nada confiável: a primeira quando protegeu o marido da ex-senadora, provavelmente por tratar-se de uma companheira de luta, a segunda pela tentativa de fraudar o texto e fazer com que os convivas engolissem goela abaixo um prato mal cozido, embora o tivesse preparado na surdina, o que, convenhamos, equivale a prepará-lo à frente de todos.

Mas por que tanto celeuma? O que está por trás disto tudo?

Leia a reportagem de Vinicius Sassine, Josie Jeronimo e Ivan Iunes, publicada no Correio Braziliense e tire suas próprias conclusões.

Novo Código Florestal beneficia 15 deputados e três senadores ruralistas

Se for aprovado no Congresso com todas as alterações previstas, o novo Código Florestal Brasileiro beneficiará pelo menos 15 deputados federais e três senadores integrantes da bancada ruralista, que faz forte lobby para que a proposta entre em votação no plenário da Câmara ainda neste semestre. Os 18 parlamentares foram multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em razão de algum crime ambiental.

A maior parte dos autos de infração, cujos processos ainda estão em trâmite no Ibama, refere-se a desmatamentos ilegais e desrespeito à delimitação de reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs). Os terrenos devastados ou que deixaram de ser restaurados por parlamentares somam 4.070 hectares, área suficiente para abrigar 97 Parques da Cidade.

O novo Código Florestal altera exatamente regras relacionadas a reservas legais e APPs. Os parlamentares multados também seriam diretamente beneficiados com a anistia a desmatadores autuados até julho de 2008, outro ponto previsto na nova legislação ambiental. O perdão de multas é um dos pontos mais controversos e vem atrasando a costura de um acordo entre ruralistas e ambientalistas para que a proposta seja votada em plenário.

O levantamento feito pelo Correio no sistema de protocolo do Ibama levou em conta a bancada ruralista composta por 158 deputados e senadores nesta legislatura, definida conforme critérios adotados pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A quantidade de parlamentares multados, que ainda recorrem contra os processos, equivale a 11,3% da bancada. Outros seis parlamentares foram autuados, no entanto, os autos de infração já estão no arquivo. Cinco integrantes da bancada ruralista pediram ao Ibama autorização para desmatar vegetação nativa ou para usar motosserras. A área total a ser desmatada é de quase 1,2 mil hectares, o equivalente a 120 estádios como o Morumbi. Fora da bancada ruralista, outros oito parlamentares aparecem no sistema do Ibama.

O deputado federal que responde ao maior número de autos de infração é Paulo Cesar Justo Quartiero (DEM-RR). São cinco processos contra o parlamentar. Na Câmara, ele é porta-voz dos arrozeiros de Roraima derrotados na Justiça no caso da decisão da demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, em 2008. Um dos processos refere-se ao fato de o deputado “impedir a regeneração natural de 3,51 mil hectares de vegetação nativa”. Quartiero utilizou ainda dois hectares com “infringência das normas de proteção ambiental”, extraiu cascalho sem autorização do Ibama e não deu destinação adequada a embalagens de defensivos agrícolas.

No Senado, o campeão de multas em curso é o senador Ivo Cassol (PP-RO), ex-governador de Rondônia. Ivo desmatou 160 hectares em área de reserva legal numa fazenda, sem autorização; “destruiu” 352 hectares de floresta nativa; infringiu “normas de proteção” de uma área de 13,5 hectares; e desmatou a “corte raso” 2,5 hectares de uma APP, também sem autorização.

O sistema do Ibama registra um mandado de notificação e intimação e um auto de infração contra a porta-voz do agronegócio, a senadora Kátia Abreu (TO, recém-saída do DEM). Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu é a principal defensora da aprovação do novo Código Florestal. Outro senador autuado é Renan Calheiros (PMDB-AL). O auto de infração refere-se à instalação de uma “pavimentação” dentro da Estação Ecológica (Esec) de Murici, em Alagoas, cidade natal do senador. A estação existe desde 2001 e preserva fragmentos de Mata Atlântica. Entre os deputados federais, Augusto Coutinho (DEM-PE) foi multado pelo Ibama por “causar dano direto” à área de proteção ambiental (APA) Costa dos Corais. Segundo o órgão, ele também não recompôs uma APP na Praia de Mamucabinhas, em Pernambuco.

Confira a lista de parlamentares defensores das alterações do Código Florestal que foram multados pelo Ibama:

Na Câmara

Augusto Coutinho (DEM-PE): uma notificação e dois autos de infração; Eduardo Gomes (PSDB-TO): dois autos de infração; Giovanni Queiroz (PDT-PA): dois autos de infração e uma notificação; Hélio Santos (PSDB-MA): um auto de infração; Iracema Portella (PP-PI): um auto de infração; Júnior Coimbra (PMDB-TO): dois autos de infração; Lira Maia (DEM-PA): um auto de infração; Márcio Bittar (PSDB-AC): um auto de infração; Marcos Medrado (PDT-BA): dois autos de infração; Moreira Mendes (PPS-RO): um auto de infração; Nelson Marchezelli (PTB-SP): um auto de infração; Paulo César Quartiero (DEM-RR): cinco autos de infração; Raul Lima (PP-RR): um auto de infração; Reinaldo Azambuja (PSDB-MS): um auto de infração; Sandro Mabel (PR-GO): um auto de infração e uma notificação.

No Senado

Ivo Cassol (PP-RO): quatro autos de infração; Kátia Abreu (TO, recém-saída do DEM): um auto de infração; Renan Calheiros (PMDB-AL): um auto de infração.

Desculpem-me por ter entrado pela política torva e sanhuda, mas não me contive. Semana que vem volto aos livros, espaço onde os jantares, ainda que preparados às claras, encantam pelo ritual e pela escolha dos ingredientes.

Imagens: Todas disponíveis no Google Images.