Revista Philomatica

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cleópatra VII Thea Philopator Liz Taylor

A semana tem sido movimentada: o Japão ainda faz parte das manchetes internacionais, mais em razão da brisa radioativa que do próprio tsunami, responsável por ter dizimado milhares de almas - ou seriam corpos? Malgrado as inúmeras crenças que pregam sua perenidade, seu translado para outras esferas, fique você, leitor, com alma, é mais poético.
Certo, nada poético é o porquê da viagem, ainda que seja uma brisa - radioativa. No início da semana a França já fazia suas medições. Produtos do Japão? Nem pensar. Francês agora que se contente com brioches; nada de sushi, sashimi, nigiri, chirashi, temaki... É o Japão na berlinda!
No Brasil, é claro, fala-se do Japão, mas também fala-se da Líbia e do atentado terrorista em Israel; a imprensa contabiliza os mortos e Brasília condena a invasão no país árabe, afinal, somos radicalmente contra a violência. Somos seres pacíficos - por natureza. Acreditamos nisso! No entanto, por estas tranquilas paragens paulistanas, não se sabe bem por que, é um latrocínio seguido do outro. O mês nem acabou e dezoito almas já fizeram o caminho de volta. Os dados da violência são secretos, provável artimanha para mascarar a realidade, tal qual se fazia nos anos de chumbo. Nosso querido governador promete trazê-los a público - maquiados, penso eu.
Bem, vamos dar outro rumo à prosa, ainda sob a aura de Tanatos, certamente sem Caronte, embora, nestes casos, acredito que não faltasse o óbolo para pagar a fatídica viagem. Morreu na segunda, 21, Loleatta Holloway, diva da disco music, um vocal estrondoso, que pode ser ouvido em alguns dos maiores clássicos da disco como Catch Me On The Rebound, Love Sensation, Hit And Run e Relight My Fire, de Dan Hartman. Holloway escapou à pasteurização que deixa tudo mais chã, por isso é cultuada.
Outra que partiu para o andar de cima - já li ou ouvi essa mesma expressão, portanto, leitor, encare como intertexto - foi Elizabeth Taylor, no dia 23. Coincidentemente, quando soube da notícia, lia uma crônica de 15.12.1877, em que Machado de Assis lamentava a morte de José de Alencar. Machado, ao referir-se ao autor dizia: "Quando uma individualidade se acentua fortemente e alcança através dos anos e dos trabalhos, a admiração de todos, parece ao espírito dos demais homens que é incompatível com ela a lei morte. Uma individualidade dessas não cai do mesmo modo que as outras; não é um incidente vulgar, por mais vulgar e certo que seja o destino que a todos está reservado; é um acontecimento, em alguns casos é um luto público."
Não acho que tenha sido diferente com a morte de Liz Taylor. Certo que se deve guardar as devidas proporções entre as artes, mas, ainda assim, não se pode negar sua individualidade e a ascendência que exerceu no domínio da arte cinematográfica. Bons filmes Gata em Teto de Zinco Quente (Cat on a Hot Tin Roof, Richard Brooks, 1958) e Quem Tem Medo de Virginia Wolf (Who's Afraid of Virginia Woolf, Mike Nichols, 1966). Porém, sempre que se fala da filmografia de Liz Taylor vem à tona Cleópatra (Cleopatra, Joseph Mankievicz, 1963). As filmagens de Cleópatra começaram em 1960 e fizeram de Elizabeth Taylor a atriz mais bem paga de Hollywood.
Diz a lenda que Elizabeth teria pedido, meio que de brincadeira, o que na época era uma quantia assombrosa como pagamento: um milhão de dólares. Para sua surpresa, o estúdio concordou. Mas não foi só isso. Liz fez outras exigências: exigiu 10% do lucro da bilheteria e que o marido fosse contratado como seu assistente pessoal, fora outras extravagâncias. O filme começou a ser rodado sob a direção de Rouben Mamolian, demitido logo nos primeiros meses de trabalho, por divergências quanto ao encaminhamento do script. Liz exigiu então que o diretor substituto fosse indicado por ela: ou George Stevens, que a dirigira em Um Lugar ao Sol (A Place in the Sun, George Stevens, 1951) e Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956), ou Robert Mankiewicz, de De Repente, no Último Verão (Suddenly, Last Summer, Robert Mankiewicz, 1959), que lhe rendera uma indicação ao Oscar. Stevens estava ocupado com outro épico, A Maior História de Todos os Tempos (The Greatest Story Ever Told, 1965), então, Mankievicz foi convocado. Durante as gravações de Cleópatra, Liz conheceu Richard Burton, que viria a ser seu quinto marido. Ainda casada com Fischer, e à vista dele, Liz começou abertamente a ter um caso com Burton, que também era casado. Conta-se que os dois se entregavam a noitadas de bebedeira homérica e sexo, que acabavam muitas vezes em brigas e, pelo menos uma vez, numa ameaça de suicídio de Liz. Impotente diante da insubordinação hedonista de seus astros, Mankievicz teria se queixado aos executivos da Fox enviando-lhes um bilhete: "Liz e Burton não estão apenas interpretando Cleópatra e Marco Antônio". Com uma divulgação focada nos escândalos da vida dos protagonistas fora das telas, o filme foi um sucesso de bilheteria, embora tenha deixado a Fox no prejuízo, pois os US$ 26 milhões que arrecadou ficaram longe de cobrir seu custo assombroso de US$ 44 milhões. Esse valor corresponderia hoje, com correção monetária, a US$ 320 milhões, o que faz de Cleópatra o filme mais caro da história. Cleópatra também passou à história como o único filme a ter dado prejuízo a um estúdio, mesmo tendo sido a maior bilheteria do ano (1963).
Minha fascinação por história antiga já me fizera ler Kleopatra, do austríaco Oskar von Wertheimer, cuja segunda impressão da primeira edição, de 1935, coincidira com o lançamento do filme. Hoje, guardo-o como raridade à espera de uma releitura. Anos depois, li Cléopâtre ou le rêve évanoui, de Benoist-Méchin. Por confessa imaturidade, não fiz comparações. Hoje teria que reler os livros e rever o filme.
É comum entre a crítica a constatação de que o romance não se adapta muito bem às telas ou aos palcos. Machado já afirmava que "desde que a concepção foi vazada em um molde, é raro que ela possa viver transportada para outro". Há exceções, é claro, e, no caso, o romance já fizera sua parte, recontando a história e atualizando hábitos que o tempo fez questão de apagar e que nós, hoje, por achá-los por demais estranhos, muito provavelmente rejeitaríamos. Ao real o romance adicionou a criatividade e a fantasia e nos deu a verossimilhança. E o cinema? O cinema fez algo intertextual: alterou a imagem da verdadeira Cleópatra, sobretudo, diante das raras esculturas atribuídas à rainha egípcia. Hoje, é impossível falar de Cleópatra VII Thea Philopator, última rainha da dinastia dos Ptolomeus, suas conquistas e seus amores, olhar o mármore branco e pálido, sem se lembrar de Liz Taylor e seus intensos e magníficos olhos violeta.

Nota: Dados sobre o filme Cleópatra colhidos no site http://www.jornalstylo.com.br.
Imagens: Google Images.

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