Revista Philomatica

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Na falta de comoções públicas: documentos das Forças Armadas, a guerra franco-prussiana e a Comuna de Paris

Machado volta e meia dizia que os mortos governam os vivos. Passados cento e poucos anos, nada mudou. Na falta de comoções públicas, como as ocorridas na semana passada, é preciso recorrer aos espectros. Hoje, falou-se da divulgação de milhares de documentos de inteligência liberados pelo comandante da Aeronáutica ao Arquivo Nacional. Segundo a imprensa, os documentos revelam que as Forças Armadas monitoravam partidos, políticos e organizações de esquerda após o fim da ditadura militar, mais precisamente até os anos de 1994, o que significa dizer que enquanto a modelo Lílian Ramos era flagrada na Sapucaí, sem calcinha, ao lado de Itamar Franco, você, leitor rebelde, caso fizesse parte de alguma organização de esquerda, bem poderia ter um marmanjo na sua cola. Questão de escolha.
E os fantasmas não param por aí. Há dias, também comentou-se sobre a cerimônia saia justa, no Salão Nobre do Planalto, quando Dilma Rousseff não recebeu continências durante a solenidade de promoção de oficiais das Forças Armadas: limitaram-se ao usual aperto de mãos. Nada mais civilizado, afinal, ali, ninguém morre de amor por ninguém. Imagens para posteridade? Qual nada! Ao contrário de Ronaldinho Gaúcho, intruso na ABL, que exibiu às desbragadas a medalha Machado de Assis, Dilma Rousseff, discreta, não se deixou fotografar ao receber a Ordem da Defesa, maior comenda da área.
Na França, também os mortos vieram à vida. Em 5 de abril uma questão bastante incomum foi colocada aos deputados franceses: se concordavam, ou não, de tornar públicas as discussões à porta fechada de seus predecessores durante a guerra franco-prussiana de 1870 e às vésperas da Comuna de Paris.
A exumação desses relatórios data de 2009 e é fruto da curiosidade de um funcionário do serviço oficial da biblioteca e dos arquivos que, um dia, percorrendo entre os arquivos antigos, deu de cara com os documentos das sessões, catalogados como comité secret, algo que nenhum historiador jamais mencionara. Preservadas por cento e quarenta anos no fundo de um cofre localizado no subsolo do Palais-Bourbon, as 723 páginas, hoje submetidas ao voto dos deputados, remetem os franceses a alguns dos momentos mais dramáticos da época.
Um deles foi em agosto de 1870, quando a oposição republicana a Napoleão III pediu - sem sucesso - uma mobilização maciça dos parisienses contra os prussianos. O outro, ocorreu em 22 de março de 1871, quando alguns homens de boa vontade, capitaneados por Clemenceau, tentaram um conciliação impossível entre Paris e a Assembleia Nacional, instalada em Versailles, afim de evitar que a capital caísse nas mãos daqueles que viriam a ser conhecidos por communards.
No final da tarde do dia 5, pouco antes das cinco da tarde, por unanimidade, os deputados franceses autorizaram a publicação dos anais destas sessões realizadas à porta fechada por seus predecessores. Nos termos do artigo 51, parágrafo 3o do Regimento da Assembleia Nacional, esta votação foi a condição sine qua non – ainda que os fatos datem de 140 anos - para que a publicação dos documentos fosse possível. No total, as 723 páginas são o resultados de quatro comités secrets, tendo os três primeiros ocorrido em agosto de 1870 e o último em 22 de março de 1871.
Segundo alguns privilegiados que já os analisaram, eles contêm alguns belos trechos de eloqüência e, percebem-se, claramente as vozes de alguns jovens parlamentares que teriam futuro brilhante: Jules Ferry, Léon Gambetta e Georges Clemenceau. Durante a apresentação dos documentos, que se seguiram à votação, em um salão do Hôtel de Lassay, o presidente da Assembleia Nacional, Bernard Accoyer (UMP), informou que os textos serão publicados no próximo outono pelas Editions Perrin. Os documentos terão anotações e introdução do historiador Eric Bonhomme, especialista em Terceira República.

Como se vê, na falta de comoções públicas, um bom fantasma, se não assusta, faz passar o tempo.


Imagens: Le Siège de Paris, de Jean-Louis Ernest Meissonnier, de 1870 e cartaz do filme de Peter Watkins. Todas disponíveis no Google-Images.

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