Revista Philomatica

quarta-feira, 15 de março de 2017

Bob Dylan e o rock literário

Há tempos, mesmo nas horas mortas quando cismo com as ideias, convivo com o Bruxo de Cosme Velho. Talvez por essa razão tenha certo apreço pela arraia-miúda, a notícia de rodapé negligenciada pela maioria. Nesse instante em que a folha em branco se me impõe como horizonte diante dos olhos e as sinapses escorregam pela memória, lembro-me sempre dos grandes ídolos. Até hoje, confesso, ainda não havia vislumbrado Bob Dylan.
Mas, assim como são os livros que nos escolhem e não nós a eles, o mesmo ocorre com as notícias. Por isso, leitor, vou deixar os comentários que faria a seu respeito para a próxima semana e tratar daquelas notícias ditas superiores.
As últimas novas tratam da nobilitação de Bob Dylan. Sim, Bob Dylan foi agraciado com o Nobel de Literatura. Por aqui, fomos condescendentes, ouvi uns e outros delírios elevando ao reino da hipótese os nomes de Caetano Veloso e Chico Buarque. É possível que se mostrassem fortes concorrentes, mas nosso marketing ainda é restrito à nossa condição periférica.
Na França não se deu a mesma coisa. Pierre Assouline - biógrafo e romancista, recebedor do Goncourt e editor da Revista Lire – esbravejou e disse que a literatura pode ser tudo, menos Bob Dylan. “Dylan, um poeta?”, pergunta-se Assouline. Na melhor das hipóteses, afirma o acadêmico, um letrista, para, logo em seguida, exasperar-se face à comparação sistemática do músico a Rimbaud.
Mas o fato é que Dylan foi nobilizado. E, para a turma do contra, a Secretária Geral da Academia, Sara Danius, explicou a unanimidade que justificou a escolha dos acadêmicos suecos: “Dylan criou novas expressões poéticas na grande tradição da canção”, “Bob Dylan criou uma poesia para os ouvidos, que deve ser declamada” e argumentou: “se pensarmos nos gregos antigos, em Safo, Homero, eles também escreviam poesia para ser declamada, de preferência acompanhada com instrumentos”.  E assim atribuiu-se à guitarra de Dylan uma gênese helênica que remonta seguramente a Lesbos antiga.
Polêmicas à parte, especialistas afirmam que há tempos os americanos ressentiam a falta de um Nobel, afinal, o último veio com Toni Morrison, em 1993. É provável que tivessem em mente Philip Roth, Don DeLillo, Joyce Carol Oates, mas caiu-lhes no ego o Dylan...
Mas e Mr. Dylan? Afora as canções poéticas, escreveu algum livro? Sim, Bob escreveu Tarântula (1966), publicado por aqui em 1986, pela Brasiliense. E, mais recentemente, veio à luz Crônicas, Vol. I, sua autobiografia.
Talvez, assim como eu, você não tenha lido nem um dos dois livros, mas, em algum momento de sua breve existência tenha se deixado levar por Blowin’in the Wind ou The Times They are a-changin’, verdadeiros hinos antiguerra, em particular a do Vietnã, e dos movimentos civis da época, que muita gente por aqui dançou como boa música romântica, sobretudo Blowin’.
Mas não foi esse lado, digamos, pop, que comoveu os acadêmicos suecos: Sara Danius, ao anunciar o prêmio afirmou que Bob se inscreve numa tradição que remonta a William Blake, célebre poeta inglês, morto em 1827, e citou as canções Visions of Johanna e Chimes of Freedom.  
Mas e Mr. Dylan, o que acha disso tudo? Até agora, mistério. Apesar das várias investidas, Mr. Dylan manteve-se mudo, não retornou os contatos de Sara Danius, que, por sua vez, deu-se muito bem, pois emergiu do anonimato à condição de celebridade mundial.

Belas e poéticas canções, mas eu, caro leitor, quando me coloco a pensar, olho para a montanha, lembro-me do profeta, pergunto-me de onde virá o socorro e, logo depois, questiono não só a própria razão de existir da montanha, mas por quanto tempo ainda ela existirá? The answer, my friend, is blowin’ in the wind.  


Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

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