Revista Philomatica

domingo, 12 de março de 2017

Sobre livros: dois dedos de prosa



Caríssimo leitor,

Você merece toda a deferência. Por isso, antes mesmo que me apresente, desculpo-me por tê-lo feito perder o foco. Digo isso de modo tão rebuscado, pincelado de um respeitoso arcaísmo, porque estou certo de que muito provavelmente estivera clicando aqui e ali, não à procura de garatujas literárias, mas sim à procura de índices econômicos, as últimas notícias do esporte – incensado que foi até há pouco pela mídia possuída de um nacionalismo quadrienal em busca de heróis e medalhas que justifiquem os milhões gastos - ou as novas de nossa política “torva e sanhuda”.
Perdoe-me. Leitor machadiano contumaz, há muito fui picado pela tal da ironia; falando de livros ou de jardins, sempre me ocorre querer ilustrar páginas e canteiros e quando dou por mim já fiz uso da arma dos “céticos e desabusados”, adentrei o barro humano e mudei o rumo da prosa.
Mas voltemos à vaca fria! Não sabe o porquê da expressão? Pois vá lá: para os franceses é revenons à nos moutons (voltemos aos nossos carneiros), cuja origem está na obra medieval, A Farsa do mestre Pathelin. O dito é usado sempre que se quer retornar ao assunto principal da conversa, interrompida por ruídos periféricos. Como a vaca entrou nessa, não me pergunte, só estou certo de que a curiosidade pode render uma boa conversa.
Voilà! Esclareço as pistas deixadas: pesquisador, estudo a presença francesa no Brasil, em especial na obra machadiana. Portanto, nas vezes em que encontrar um ou outro galicismo perdido por entre as frases, veja-o como simples força do hábito ou fruto de leituras quotidianas, jamais uma demonstração presunçosa de erudição que ofenda a “última Flor do Lácio”.
Pois bem, caro leitor, afora o que disse acima, sou afeito a contar histórias. Assim, pretendo que falemos de livros, personagens, narrativas, escritas, autores, leituras, etc. ... e leitores.
Não por outra razão, em nossa próxima conversa penso em tratar um pouco de você leitor. Afinal, o que fez de você um leitor? Aqui, em um exercício de autoplágio (um dia já disse isso em outro texto), pergunto: em que medida você foi movido pelo mais simples dos impulsos humanos, aquela curiosidade, aquela tendência obscura pela bisbilhotice? De fato, isso é o que menos importa. O certo é que nos apaixonamos por histórias inventadas, envolvemo-nos e, ainda que como espectadores, participamos, vibramos e choramos o destino de personagens que nunca existiram. E digo mais, chegamos mesmo a reescrever a vida dessas figuras nos instantes em que preenchemos os espaços e os silêncios que jazem nas entrelinhas à espera do leitor.
Ler é desejo e é prazer. Dito isto, sequer pretendo retomar Barthes com seu célebre O Prazer do texto, mas vale resgatar Bellenger quando afirma que o leitor mantém uma relação fetichista com o livro. Palavras, variações, organização, sentido, música, a beleza da frase e do pensamento são constitutivos desse fetiche. Tudo isso junto e misturado nos leva à leitura de um mundo que reúne Montaigne e Proust, Racine e Hugo, Lima Barreto e Stendhal, Machado e Voltaire. E por aí vai...
Por fim, despeço-me com um comentário de Jean-Paul Sartre:

"Comecei minha vida como hei de acabá-la,
sem dúvida: no meio dos livros."


Texto publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/



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