Revista Philomatica

terça-feira, 25 de abril de 2017

Pássaros sem asas

E 2017 enfiou o pé a fundo no acelerador! Findou-se mais uma daquelas semanas pobres, em que os assuntos não oferecem muita relevância, sobretudo porque a canaille política, recolhida em seus covis - ou em Paris -, adia os habituais escândalos para fevereiro ou março, meses em que pretensamente volta ao trabalho.
O resultado é que a maioria dos sites de notícias, num esforço hercúleo para atrair o leitor, anda recheada de disparates. Quase nada se aproveita; o risco, nesses casos, é de embotar as ideias. Pensando informar-se, o leitor escorrega ladeira abaixo e é levado a comprar ouro de tolo.
À procura da arraia-miúda, satisfiz-me com o fútil. No site do partido, o episódio mais lido pelos leitores foi a gafe cometida ao vivo por uma jornalista - mais isso foi lá em 2006! Afora mexericos e otras cositas más, o tempo só esteve para rebeliões, de modo que a marginália continuou sob os holofotes.
Procuro daqui, procuro dali, e acabo na orla de Fortaleza em meio a uma multidão que, aos gritos, incentivava um casal que se conhecia biblicamente, esquecendo abertas as cortinas do quarto do hotel. O desempenho mereceu registros que, publicados na rede, foram vistos por milhares de voyeurs.
Avesso a adjetivos, continuei minha busca até dar com os olhos em uma notícia que vinha de Belo Horizonte. Tratava-se de um pedido protocolado por alguns historiadores no Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais); nele, solicitam a exclusão dos nomes de três ‘falsos inconfidentes’ do Monumento à Terra Mineira, inaugurado em 1930 em homenagem a bandeirantes paulistas e inconfidentes.
Lido o tal artigo, bateu-me a dúvida: como não acreditar piamente nas aulas de Dona Benedita, jurando de pés juntos que a conspiração havia sido desmantelada em 1789? Para o menino atento às aulas, só essa data já o enchia de admiração e respeito pelo levante de Vila Rica. Por sua vez, o artigo afirma que o movimento contra a Coroa Portuguesa deu-se em 1792!
- Dona Benedita? Então foi no mesmo ano da Revolução Francesa?!
- Isso mesmo! Mas, atenção meninos, só em 17 de abril de 1792 é que foi lida a sentença na cidade do Rio de Janeiro. Doze dos Inconfidentes foram condenados à morte! Mas, no dia seguinte, leu-se um decreto de D. Maria I, pelo qual todos, exceto Tiradentes, tiveram a pena comutada. Tiradentes, nosso herói! Dona Benedita enchia o peito e pronunciava um herói pleno e aspirado.
A despeito dos três intrusos (o escravo Alexandre, Fernando José Ribeiro e José Martins Borges) que os historiadores afirmam não terem participado do levante, cá com os meu botões, pensei na repaginação sofrida pelo herói de Dona Benedita, empreitada levada a cabo pelos ideólogos positivistas na fundação da República.
Ao buscar em Tiradentes a personificação da República, o militar que tinha no máximo um bigode e que, na prisão, fora obrigado a raspar barba e cabelo par evitar piolhos, à beira do cadafalso, teve sua figura assemelhada a Jesus Cristo, ganhou camisolão e barba feito madeixa. 
Ah, há ainda as teorias conspiratórias! Mas o melhor a fazer é deixá-las de lado; porém, não deixa de ser instigante o relato do carioca Marcos Correa que, na Paris de 1969, ao pesquisar a vida de José Bonifácio de Andrade e Silva, encontrou a assinatura de um tal de Antônio Xavier da Silva, na lista de presença da Assembleia Nacional Francesa, bem ao lado da do Patriarca da Independência. Aí começam as suspeitas de um complô orquestrado pelos maçons em que há a similaridade de assinaturas, a troca de Tiradentes por um ladrão, sua fuga para a Europa... Os militares, no século XX, teriam se encarregado de apagar rastros e colocá-lo no panteão dos heróis nacionais.
De minha parte, procuro guardar o dito do mestre, cuja opinião era de que a lenda é melhor do que a história autêntica, razão pela qual não desacredito da ficção. A história de Tiradentes é mais um desses exemplos em que a ‘verdade’ das realidades usurpa a lenda metida nos livros. Para isso basta sair em busca do relato de Marcos Correa, bisbilhotar arquivos de bibliotecas e museus... quiçá não tenham sido destruídos.  O fato é que, para acomodar interesses, a história pode ser modificada pela ficção. Por isso mesmo Machado afirma ser possível inventar “um pássaro sem asas, descrevê-lo, fazê-lo ver a todos” e, ao fazê-lo, levar todos a acreditar “que não há pássaros com asas”.
Por fim, surpreendi-me mesmo foi com a notícia de que cientistas chegaram à conclusão de que as galinhas são mais inteligentes do que pensamos: são capazes de empatia, lógica e até alguma astúcia. Enfim, algum alento para a humanidade... 


 Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/


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