Revista Philomatica

sexta-feira, 2 de junho de 2017

A exaustão das palavras

O fenômeno, em si, talvez não tenha nada de novo. Ocorre, porém, que à medida em que as redes sociais adensam os vínculos - ou as rupturas -, ele ressurge flagrante e invade o espírito. No espaço do texto, além de preencher o branco da página, palavras e discursos reiteradamente ditos, carregam-se de diferentes sentidos e utilizados à exaustão tornam-se ambíguos, perdem a significação e ganham certo vazio cuja sonoridade produz eco tão frívolo quanto a fonte.  
A mocinha que diz que sua filosofia não é carregar na maquiagem ou o amor dito às desbragadas nas redes sociais são exemplos de como as palavras ‘filosofia’ e ‘amor’ foram vandalizadas pelo uso. Fala-se muito e demais, diz-se pouco ou quase nada.
Não bastassem as palavras, nesse nosso tempo em que abundam celebridades, intelectuais e filósofos - hoje, pops e habitués de programas de variedades na TV -, as personalidades também se pautam pela mediocridade. O mérito, tal o carvalho frondoso, foi abatido pela obstinação da lâmina contra o caule; degenerado, tornou-se constitutivo opressivo e de menosprezo.
Vilipendiado pelo discurso multicultural, o mérito, por sua presença, contribui para a relativização do respeito, e quiçá, da competência; esta, tal como a flor do cacto, deve brotar de caules duros e espinhosos, em solo desértico e pedregoso, caso contrário, não se deve respeitá-la. Outras flores, malgrado o encanto, a delicadeza e a frescura, dado o discurso atual, são impiedosamente condenadas por supostamente terem se nutrido da umidade da campina em que nasceram. Ninguém quer saber do esforço empenhado por suas raízes, persistentes na procura do húmus que jaz na profundeza. Assim, cantada em verso e prosa, pulula a mediocridade!
No nada desse mundo sem Deus, em que o século ainda jovem só faz perpetuar o niilismo dos anteriores, tentamos a todo custo preencher o vazio. Para isso, buscamos alguma segurança material e algum conforto moral substituindo as certezas antigas, na maioria das vezes, por discursos antigos travestidos do novo, mas um novo feito de palavras exauridas! Ensaiamos novas tournures de frases cujo conteúdo quase nunca alça voo, arremetemos sempre! Esgotadas, as palavras sequer incomodam os ouvidos do sistema.
A verdade, como dizia Schopenhauer, não é uma garota que pula no pescoço de quem não a deseja, de modo que nos encantamos com o velho como se estivéssemos diante de algo genuíno e novo. Engodo às polarizações, os discursos nos desviam daquilo que realmente importa. E, no mais das vezes, fazemos ouvidos moucos, alienamo-nos face às ideologias e à verborragia das palavras cansadas.
Os fatos, por mais díspares que possam parecer, são ganchos para que os filósofos das redes sociais expressem os mais variados sistemas, todos, sem exceção, alheios ao mundo (ainda que se esforcem em mostrar-se interessados) e à evidência, mas focados unicamente na política à qual são subservientes, fazendo dela seu critério decisivo para julgar o que é bom, o que é ruim, o que é notável, ou o contrário! Os que não leem a mesma cartilha e ejaculam o mesmo discurso, as mesmas palavras velhas e cansadas, merecem a indiferença.
Neste cenário, é comum a mediocridade frequentar todos os bares, todas as esquinas, todos os becos, de modo que pode ser comprada e transmitida pela rede da qual o cidadão faz parte. Nas universidades, como em qualquer outro lugar, a amável mediocridade trabalha incessantemente, subserviente a interesses gerais ou pessoais, fazendo com que o saber seja prostituído e desprezado, tornando-se, não raro, simples favor.
Nesse mundo sombrio, uma palavra nova e robusta equivale a um ponto de luz projetado em meio à escuridão, capaz de emocionar, alegrar e nos consolar nesse deserto que é a vida! Mas sempre é preciso algum cuidado: ainda que as palavras curem os males, há sempre aquelas que matam!


 Publicado originalmente em http://z1portal.com.br/category/miscellanea/

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