Revista Philomatica

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Viagem ou espetáculo

A ela são atribuídas diferentes metáforas; todas, quando pensadas, revelam-se meio positivas, meio autoajuda. Aos percalços cruéis e deceptivos ao longo do caminho, creditam sempre o lado benfazejo e construtivo da experiência. Isso não nego, mas duvido. Duvido sempre, a ponto de cair na mesmice, reproduzir clichês, fazer comparações, revoltar-me contra os céus tal aquela personagem que, tomada por ódio e desespero, perguntou ao Altíssimo por que ele dispensa sorrisos e bênçãos ao vis enquanto golpeia e lança ódio e miséria aos que buscam alguma retidão.
Procuro, mas não encontro respostas. As metáforas, caro leitor, oscilam entre o grande espetáculo que é a vida, no qual interpretamos diferentes papéis, diferentes cenas, e o trem. Muitos sugerem atos cômicos e leves, contudo, penso que o trágico se impõe, até mesmo porque já nos habituamos ao drama, digerindo-o quotidianamente, e, como nos acostumamos a tudo, vemos nele algo risível, e divertimo-nos com nossa própria miséria.
O trem. Eis aí uma metáfora insistentemente (não gosto dessas palavras longas, mas, às vezes, face ao tédio, fazem-se necessárias) atribuída à vida que escorre por entre os vãos dos dedos. Em uma estação qualquer nos aventuramos na viagem; subimos no trem e ali sentamo-nos com certa timidez. Habituamo-nos ao vagão, trocamos palavras com os passageiros ao lado, rimos, choramos ao ouvir alguma historieta. Cansamo-nos um pouco e decidimos caminhar entre os vagões, deparamo-nos com rostos diferentes. Encantamo-nos com os novos passageiros, as novas histórias, revoltamo-nos com outras por não compreendê-las, mas, dizem-nos, Ele assim o quis, nada podemos fazer. Cabe a nós algum conformismo. A revolta, dizem, não nos leva a lugar algum. Um ou outro mais introspectivo sente nisso tudo um cheiro de Leibniz, ridiculariza-o com Voltaire, muda de vagão. Outros, olham para Brasília - se o trem, evidentemente, move-se em território tupiniquim -, e não veem saída outra que descer na próxima estação, mas hesitam e se conformam. Não se revoltam (e eles são muitos)!
Para alguns, contudo, o trem move-se muito devagar a ponto de sentirem-se fatigados; desejam parar em uma estação qualquer, mas o fluxo daqueles que subiram impedem a passagem; cansam-se ainda mais, acreditam não haver nada mais que possam aprender, que os estimulem, mas os que acabaram de subir renovam o ar, trazem músicas novas. Impassíveis, subjugados e impotentes, muitos refutam os novos ritmos, atiram-se pelas janelas. Os novos passageiros, estes, os ignoram e sequer notam as janelas; para eles a viagem será eterna. Outros, porém, já na trigésima estação, lançam olhadelas à procura de alguma luz - e o sacolejar do trem continua.
Alguns ainda, revelam-se sofistas. Ao trem ou ao roteiro do espetáculo, nada creditam, pois não passam de elementos, de móbiles, dizem. De fato, é o homem seu próprio algoz, sua própria doença, sua própria miséria, seu fardo, sua própria morte - porque também se morre em vida. Volto-me a esses sofistas todas as vezes em que afirmam sermos nós nossas próprias expressões, a razão de sermos oprimidos, desprezados, rejeitados, de apodrecermos em vida; ouço tudo e pergunto por que a felicidade não poderia ser em vida, como o sol? Não obtenho respostas. No mais, entrevejo um olhares responsivos dos quais depreendo uma centelha de luz dizendo-me que em algo amorfo como a sociedade os homens sofrem pelos homens, os homens torturam os homens.

Perco-me em meus pensamentos. Por que Ele teria criado os poderosos, os opressores?

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