Revista Philomatica

sábado, 19 de maio de 2018

Homo stupidus stupidus stupidus sapiens


Opinião, cada um tem a sua. Contudo, não importa qual seja ela e o modo como você se expresse, é certo que você será atacado por todos os lados, como se fosse um inimigo. A verdade óbvia de nossos dias, marcados pela polarização e expressada por Joshua Greene em Moral tribes: emotion, reason, and the gap between us and them.
Na obra, Greene, professor de neurociência na Universidade de Harvard, une neurociência, filosofia e psicologia ao tentar mapear nosso cérebro e explorar como as intuições éticas se manifestam no mundo contemporâneo. Greene afirma que os seres humanos têm uma tendência instintiva e automática (embora limitada) para cooperar com outros membros de seu grupo social (eu vs. nós) com base na imagem da Tragédia dos Comuns. Mas, em questões relativas à harmonia entre vários grupos (nós contra eles), intuições automáticas são problemáticas; e Greene chama isso de "tragédia da moralidade do senso comum". A mesma lealdade que permite aos membros de um grupo cooperar em sua comunidade leva à hostilidade entre as comunidades.
Eis uma das razões pela qual temos dificuldade em coexistir na diferença: nos cérebros estão programados para estruturar o mundo entre “nós” vs. “eles”, donde uma sociedade contemporânea polaridade ao extremo em que aqueles que não pensam como nós são – e devem – ser hostilizados, vergastados das mais diferentes maneiras. O resultado é medo, frustração, insegurança e um enorme ceticismo.
Por sua vez, Vittorino Andreolli, psiquiatra e escritor italiano, ao refletir sobre a sociedade contemporânea afirma que “vivemos em uma sociedade dominada por frustrações. A sensação predominante é a de estar em um ambiente no qual a pessoa se sente excluída, a pessoa se sente insegura, a pessoa está com medo. Assim, a frustração se acumula, o que então se torna raiva. E a raiva, sabe o que isso traz? Isso leva ao desejo de quebrar tudo. Nosso tempo não é violento, é destrutivo.”
Veja a curta entrevista que o escritor concede à jornalista Flavia Piccinni, quando do lançamento de seu livro Il silenzio dele pietre na Feira do Livro de Turim, e publicada no jornal La Repubblica em 15/05/2018.
Você falou sobre violência e destrutividade. Qual a diferença?
A violência visa produzir danos aos outros. Alguém é ciumento porque há outro que tirou seu objeto do amor, e se vinga violentamente: ele o mata. Mas, tendo cumprido esse propósito, a violência declina.
E a destrutividade?
Em vez disso, a destrutividade é a tendência a causar dano aos outros, mas também a si mesmo. Eles matam a esposa, filhos e se matam. É um pequeno apocalipse. E é muito comum nas famílias hoje.
Estamos vivendo um tempo destrutivo para a política também?
Há o desejo de fazer guerra, mascarar situações pessoais, fabricar armas, alimentar os arsenais nucleares. Existe ar de guerra e a guerra é destrutividade. Repito: a destrutividade é a característica fundamental do nosso tempo.
Quem são os outros?
Frustração e insegurança. Nós somos a sociedade do medo. Domina a cultura do inimigo.
O que isso envolve?
Isso mata a esperança e a confiança e promove o isolamento.
E então?
Você sabe, houve o período da razão, das Luzes, das grandes ideologias e agora ...
Agora?
Agora temos o período de estupidez.
Por que você diz isso?
Porque governa a irracionalidade! O absurdo domina. Não há senso de ética. Pior do que isso ... E como consequência da estupidez, temos a regressão para o homem da movimentação.
Lembrei-me de que pertencíamos ao homo sapiens sapiens.
Não! Neste momento histórico em que o absurdo domina, somos o homo stupidus stupidus stupidus.
Por que razão?
Todo mundo pensa em si. Ninguém pensa que somos um país. E isso é estupidez. Se alguém hoje não é stupidus nesta sociedade, não pode viver.
Como podemos nos salvar?
Fazendo como protagonista do meu romance, que entra em um mundo lindo onde não há comandantes. Onde não há o homem. A gênese parou no quinto dia, porque o Pai eterno é muito inteligente e em uma parte do mundo ele não fez o homem.
Onde a estupidez se concentra hoje?
No poder. Hoje, o poder é, por definição, estúpido. Eu uso o poder como um verbo: eu posso, então eu faço. E eu faço porque eu posso. O poder é o aspecto mais claro da estupidez.
Você se considera um homem de poder?
Não. Eu escrevi sobre os Ninguéns, aqueles com N maiúsculo, porque nesta sociedade há alguém que não é estúpido, e eles são os Ninguéns. Eu sou um Ninguém porque eu não conto nada.
Mas você conta ...
Sendo ninguém, não tenho que aceitar compromissos. Ninguém é quem está lá, mas é como se não estivesse. Eu amo esta sociedade, feita pelas pessoas bonitas que não contam para nada.
Você não conta, mas há alguém, Gene Gnocchi, que o imita na televisão.
Eu o vi recentemente. Eu considero humor e ironia como defensivos. Eles ajudam as pessoas a sobreviver. Eu amo os loucos, considero a loucura estupenda, humana, e o que sempre procurei foi o homem dividido. E eu sempre o procurei com uma arma, a ironia. Embora eu nunca o tenha conhecido, considero Gene Gnocchi muito bom.
Anos atrás, com Andrea Purgatori no Huffington Post, você fez um diagnóstico para o nosso país até agora histórico. Podemos atualizá-lo?
A Itália só piorou porque nunca foi curada.
E os italianos?
Somos masoquistas felizes: vivemos em constante e sério perigo econômico, mas somos capazes de nos divertir.
E então?
Estamos frustrados. Cheios de raiva. Darwin falou do instinto, mas estamos regredindo para o momento da impulsividade. Olhe ao redor.
Eu o faço todos os dias.
Veja: agora não há ética, mas existem comitês de ética. O ego domina e não nós. Eu quero isso. Eu quero isso, eu quero isso, eu quero isso.
Neste contexto, você acha que o aumento da violência contra as mulheres é significativo?
Antropologicamente, a mulher sempre foi a presa do homem. Salomão, que era a sabedoria do povo, disse: “Mais terrível do que a morte é a mulher, só o homem temente a Deus pode escapar dela, enquanto o pecador está preso a ela, enganado.”
Depois, o que aconteceu?
Então veio Cristo, que respeitava as mulheres. Havia a cultura que meticulosamente dava valor às mulheres, à feminilidade, à sua resistência. Mas se nos precipitamos para o homem pulsional, que dirige, e a mulher volta a ser a presa.
Outro dia, em Cannes, 83 atrizes protestaram silenciosamente contra a indústria cinematográfica e a discriminação de gênero. O que você acha desse movimento global que é o #metoo e das consequências inevitáveis ​​que ele terá no presente?
A mulher ainda precisa de um movimento forte. Ainda me lembro de ter participado da histórica marcha feminina do Central Park até a Broadway. Mas hoje as mulheres não têm que cometer o erro do feminismo nos anos setenta.
O quê?
Excluir os homens. Ter feito isso no passado não permitiu que ele crescesse. O movimento, como disse aquela grande mulher que era Ida Magli, devemos fazer juntos. Caso contrário, o homem permanecerá culturalmente desapegado. Ele continuará sendo um homúnculo.
Como você se sente?
Eu sou um infeliz alegre.
Você pode me explicar melhor?
Hoje falamos apenas de felicidade, mas a felicidade é algo individual. É um sentimento positivo e agradável que pertence ao eu. A alegria pertence a uma condição que nos preocupa: o ego junto com o outro. É transmitido e recebido, mas sempre diz respeito a um grupo. Hoje, apenas os imbecis podem ser felizes.
Por que razão?
Nós pertencemos a uma sociedade que é muito complexa para não considerar a condição dos outros. Como se pode ser feliz se todos os dias vemos pessoas sofrendo?
Eu não sei.
Eu não considero muitas pessoas, mas aquele homem de Nazaré, aquele homem com H maiúsculo, que ensinava alegria. Mas hoje tudo é diferente.
Em que sentido?
Hoje não há mais os senhores da terra, dos edifícios, mas os da humanidade. Avram Noam Chomsky diz isso bem.
Quem são esses mestres?
A economia depende de cerca de 20-25 pessoas. A maioria dos Ninguéns luta para viver, enquanto alguns não sabem viver porque têm muito.
Por exemplo?
Mark Zuckerberg! A próxima vez, olha bem: perdeu 100 bilhões em um dia. E você sabe o que ele disse? “Não é nada para mim.” Veja, eu fico infeliz e um pouco zangado. E é bom.
Por que razão?
Porque enquanto eu me indignar, continuarei a escrever.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Lucélia Santos, Carlos Vereza e Ana Clara



Em busca do carro das ideias, uma vez mais ensaio voos de colibri – ou de borboletas. O quotidiano se impõe e me vejo levado a um adejar de abelha, em humilde remissão ao célebre dito de Montaigne. Vá lá, quem sabe eu consiga fazer um mel que seja todo meu. Não creio ter uma alma afeita à quizília, mas abelhas têm ferrões e, como dizia o velho Machado, a crônica é como gato, acaricia arranhando. Desta feita, ao recolher algum pólen aqui e acolá é provável que às flores esqueça algum ferrão.
Creio, leitor, que nada pode ser diferente, afinal, viver é faca de dois gumes e concordar cegamente nunca foi de bom tom, portanto, desconfie de muito galanteio e muita lisonja. Pois bem, vivemos tempos de intenso falatório, e ai de quem discorda da galera com megafone em punho, do politicamente correto etc e tal. Este falatório, na maioria das vezes, é propositado, creio eu, porque nos afasta do que mais importa, do que nos é mais próprio.
Na redes sociais, grupos se organizam e, num átimo, fazem de uma simples opinião – que é de direito a todos –, por tratar-se de uma discordância, algo ferino, que tergiversa, blasfema, insulta, impreca, destrói, calunia e corrompe! Isto posto, acreditam que o mais importante é falar, esquecendo-se de que a fala é feita de pausas e silêncios que residem, sobretudo, no escutar.
Um leve pouso em uma dessas flores do campo e envolvo-me de um pólen cuja fonte ignoro; de lá apreendo que a dificuldade de escutar advém principalmente do renunciar à satisfação de exprimir-se. E mais, escutar é abdicar do controle, deixar-se guiar, digerir e deixar-se tocar pelo outro; algo como outorgar ao outro certa liberdade e algum poder sobre si mesmo. É desistir, ao menos temporariamente, daquele discurso internalizado que carregamos há algum tempo e ao qual atribuímos alguma verdade. É renunciar ao uso de seu/nosso poder sobre o outro. Escutar é correr o risco de se sentir confuso, de não entender bem o interlocutor, de não conseguir ajudá-lo e sobretudo de não poder salvá-lo (isso àqueles que se julgam os donos da verdade). Escutar é, portanto, uma espécie de luto para viver, o luto da nossa onipotência, da nossa fala, enfim.
O discurso quotidiano avança e se publiciza, disseminado por vozes supostamente “entendidas” disso ou daquilo. O resultado é um bando de gado marcado ejaculando as mesmas palavras, gritando aqui e ali a supremacia de seu lugar de fala, de modo a tornar tudo previsível; o leitor mais arguto conhece o diálogo de cabo a rabo, porque este é impessoal, trazendo em si uma suposta segurança, que acredita-se vantagem.
Nessa lógica, a musa multiculturalista, em seus filminhos youtube, atribui o adjetivo fascista àquele que se nega a escutar, mas, ao fazê-lo reproduz o mesmo, e, pela negação tenta impor o “seu” discurso, negaceia escutar e relativiza a fala do outro.
O desamparo é total, a seletividade é hiperbolizada. A fala do discordante é exagerada, ampliada e comentada a partir de críticas ideológicas e, finalmente, transformada em “discurso fascista” (uso a palavra porque está na moda). As opiniões, sejam elas de esquerda, sejam de direita, são severamente criticadas e refutadas por aqueles que não fazem parte da mesma panelinha ideológica. Vejam, por exemplo, o pólen que busquei hoje em uma flor da rede, em que um internauta (Braz Chediak) comenta o direito à opinião a dois atores brasileiros, um achincalhado por ser coxinha e outra por ser mortadela (rótulos usados sempre pejorativamente, inclusive por intelectuais):  
“LUCÉLIA SANTOS é uma atriz brasileira. Uma grande atriz brasileira.
Desde o início de sua carreira teve posições políticas que devem ser respeitadas, como devem ser respeitadas todas as opiniões – estamos numa democracia. Lucélia defende Lula. Quer sua liberdade. É opinião de Lucélia e, portanto, deve lutar por ela como lutou por todas suas convicções e sua arte.
CARLOS VEREZA é um ator brasileiro. Um grande ator brasileiro.
Ele tem suas posições políticas que devem ser respeitadas - estamos numa democracia. Vereza é a favor da condenação de Lula. É opinião dele e, portanto, deve lutar por ela como lutou para ser o grande ator que é.
LUCÉLIA SANTOS está sendo duramente atacada nas redes e blogs, com comentários que ultrapassam o bom senso. Não respeitam sua opinião, não respeitam sua vida. E ISTO É UMA MANIFESTAÇÃO FASCISTA, DE ÓDIO.
CARLOS VEREZA foi atacado por intolerantes que pediram ao público que boicotassem seu espetáculo em Brasília. Nas redes sociais, fazem análises maldosas sobre sua arte e sua vida. E ISTO É UMA MANIFESTAÇÃO FASCISTA, DE ÓDIO.
Lucélia Santos e Carlos Vereza são dois grandes artistas; são dois exemplos de nosso povo. Faltar com o respeito a eles é faltar com o respeito à liberdade de expressão, à democracia, é faltar com o respeito ao país.”
Concordo com Chediak, mas, à imprensa vendida/comprada e tendenciosa, que importância tem isso?
É melhor tratar de assuntos mais palatáveis e alienantes: “Ana Clara ficará na história”, anuncia a chamada do site do jornal que se diz a serviço do Brasil, enquanto este desce a ladeira. Quem é Ana Clara?  


domingo, 6 de maio de 2018

E la nave va!


Que o mundo anda de cabeça para baixo, de ponta-cabeça ou de pernas para o ar, isso todo mundo sabe! O que incomoda é o entorpecimento geral! A semana foi de comemoração pelo dia do trabalho, contudo, poucos se deram conta de uma notícia sorrateira que, arrisco, só foi publicada para, junto dela, o jornal vender sua imparcialidade obscura.
Trata-se de o governo usar o dinheiro do Fundo de Garantia (R$ 1,16 bilhão) para cobrir calotes dos governos da Venezuela e do Moçambique junto ao BNDS. É claro, os poucos que a leram e comentaram, resolveram apanhar o terço e impor suas ladainhas e credos ideológicos, uns acusando os outros e todos se esquecendo de que mais uma vez o trabalhador paga pela estupidez dos “salvadores da pátria”.
O analfabetismo funcional que muitos acreditam frequentar paradas de ônibus, chão de fábrica e bares da esquina, creiam-me, abunda nas universidades a ponto de intelectuais carimbarem o adorado vil metal pleiteando a liberdade do grande irmão. O fato é que nas comemorações do dia do trabalho, segundo a imprensa, não havia trabalhadores, mas povo marcado, cuja vida de gado, mais uma vez, sofre uma rasteira, seja com as estripulias político-partidárias de lideranças cujos nomes se ajustam cada vez mais ao noticiário policial, seja porque só estão ali em troca de uns poucos caraminguás.
De fato, a data perdeu todo o seu simbolismo; o trabalho perdeu sua centralidade e os sindicatos só sobrevivem porque surrupiam parte do mísero salário do trabalhador. A tecnologia e a globalização contribuíram para isso? Sim, mas a falta de liderança e a presença de marginais nos sindicatos, parece-me, tem sido a pá de cal que contribui para que os trabalhadores vejam quotidianamente seus direitos subtraídos. A esquerda intelectual, que ama o discurso do desconstrucionismo não se deu conta da desconstrução que ora ocorre na classe operária.
Mas deixemos a política torva e sanhuda para lá, afinal, a festa do trabalho foi convertida em shows musicais e sorteios de carros, na tentativa de atrair a massa para mais um evento em que o espaço de reivindicação do trabalhador tornou-se pura e simplesmente palanque eleitoral.
O fato é que em meio a tanta idiotice surgiu uma publicação deliciosa lá no Hexagone. Trata-se de La Nouvelle Quinzaine Littéraire, que dedica todo um número ao “O que é a idiotice?” Não vejo a hora de pôr os olhos em tais artigos, tal a onda que nos sufoca; isso tudo, claro, na tentativa de submergir ao caos.
Ao escrever o parágrafo acima me ocorreu a ideia de que a todo momento nos autocensuramos. Os exemplos me vêm ao espírito, a coceira toma conta das mãos, pelinhos dos metacarpos e falanges eriçam, tal a vontade de rechear o texto com nomes e situações, mas, em nome do politicamente correto e na tentativa de preservar algumas amizades, calo-me.
Mas o idiotas são valorosos! Veja-se, por exemplo, a importância dada por Eco, meu padre-santo, à idiotice e à burrice. Eco, por exemplo, empreendeu esforços na tentativa de reunir testemunhos bombásticos sobre a paixão pelo equívoco, afinal, afirmava ele, muito do que sabemos hoje é graças a esse bando de idiotas que não se constrangeu em transformar suas ideias em tinta e deixá-las escorrer sobre o papel.
Sob autocensura, paro por aqui, afinal, até mesmo nas universidades, onde deveria imperar o pluralismo de ideias, caso algo contrário seja dito ao grupo que se intitula dono da verdade, corre-se o risco de ter à frente uma centena de estudantes chamando-o de fascista aos gritos de “1, 2, 3, 4, 5 mil, lugar de fascista é na ponta do fuzil!”
Et voilà, la nave va!